"Ser marxista é, antes de mais nada, ser anticapitalista, ou seja, lutar pela construção de uma sociedade sem classes, que suprima a exploração do homem pelo homem e a propriedade privada dos grandes meios de produção, criando condições para que as relações entre os homens sejam fundadas na solidariedade e não no egoísmo do mercado. Claro, ser marxista não é repetir acriticamente tudo o que Marx disse. Marx morreu há cerca de 120 anos e muita coisa ocorreu desde então. Mas, sem o método que ele nos legou, é impossível compreender o que ocorre no mundo. Ele nos disse que o capital estava criando um mercado mundial, fonte de crises e iniqüidades, e nunca isso foi tão verdadeiro quanto no capitalismo globalizado de hoje. Falou também em fetichismo da mercadoria, na conversão do mercado num ente fantasmagórico que oculta as relações humanas, e nunca isso se manifestou tão intensamente quanto em nossos dias, quando lemos na imprensa barbaridades do tipo 'o mercado ficou nervoso'." (Carlos Nelson Coutinho)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

A ideia em torno do socialismo ecológico

A ideia em torno do socialismo ecológico
Marcus Eduardo de Oliveira: Economista brasileiro, especialista em Política Internacional. Articulista do site “O Economista”, do Portal EcoDebate e da Agência Zwela de Notícias (Angola)


Mudar radicalmente a racionalidade econômica; aproximar as preocupações da ciência econômica para a necessidade de libertar o homem; criar um novo ambiente propício para a vida de todos os seres humanos, sem a divisão costumeira que privilegia alguns em detrimento de muitos e reconhecer, definitivamente, a existência de limites ao crescimento. São esses alguns pontos centrais da discussão em torno do que se convenciona chamar socialismo ecológico; ou como alguns preferem de ecossocialismo.

Socialismo, sim, no sentido de enaltecer os laços sociais e políticos que respeitam, primeiramente, a Mãe Terra. Socialismo no sentido de fazer a crítica verdadeira ao “deus-capitalismo” que se afirma consoante a ideia básica de que o mercado, altar sagrado do dinheiro, pode tudo. Esse socialismo, aqui defendido, se põe em posição contrária a essa premissa, pois entende que o mercado é incapaz de resolver tudo e que o mundo não pode viver apenas de consumo e mais consumo, como o “deus-capitalismo” sempre quis que assim fosse e quer que assim seja.

Quem tem olhos para ver sabe que a contradição entre capital e natureza aí está posta e deve ser repensada à luz de uma nova perspectiva que inclua, essencial e preferencialmente, o ser humano dentro do objeto de análise dos modelos econômicos, partindo da premissa que o mundo não é, como dissemos, um objeto, uma simples e qualquer mercadoria pronta para ser digerida por bocas ávidas. Se o consumo consome o consumidor, o socialismo ecológico, o ecossocialismo, vem para refutar o deus-mercado e pôr novas regras no jogo, defendendo as bases de sustentação da vida, condenando, primeiramente, o consumo artificialmente induzido pela publicidade que faz a sobrevivência daquele “deus” que ora mencionamos.

Esse socialismo ecológico, defendido pelo economista mexicano Enrique Leff, pelo sociólogo Michael Lowy, por Victor Wallis, John Bellamy Foster, Jean-Marie Harribey, Raymond Willians, David Pepper e tantos outros nomes de destaque na academia, aponta para a necessidade de incutir no imaginário coletivo a verdade de que toda vez que o capital se constrói sob as ruínas da natureza é a vida de todos nós que entra em perigo. Talvez seja por isso que Enrique Leff acertadamente pontua que “a economia está gerando a morte entrópica do mundo”. Essa “morte”, em nosso entendimento, é cada vez mais explícita quando se percebe que a única preocupação dos “Senhores da Economia Mundial” é em salvar o grande capital, não em salvar o planeta e a vida. Por sinal, melhor seria dizer em salvar a vida, pois o planeta saberá viver sem nós uma vez que não depende de nossa presença para sobreviver.

Pelo lado da economia voraz e consumista, base do deus-mercado, que a tudo destrói em nome de atender aos ditames mercadológicos, somos sabedores de que a ordem da macroeconomia comandada por esses “Senhores” é uma só: fazer crescer e crescer e crescer cada vez mais a economia mundial. Do outro lado, para o bem da sobrevivência e do respeito às leis da vida, a ordem da ecologia também é una: lutar pela possibilidade de assegurar a sobrevivência de nossa espécie.

Conquanto, o fato é que já não é mais possível aceitar a prédica mercadológica que faz com que uma minoria prospera enquanto uma maioria conheça de perto o drama da exclusão numa sociedade que parece não ser de outra natureza além daquela consumista, insuflada pela propaganda, financiada pelo capital, destruidora da natureza.

Os que defendem o modelo de fazer a economia crescer sem limites para assim promover a “felicidade geral”, como se isso fosse exequível, e como se não houvesse nenhum tipo de diferença sócioeconômica, se equivocam ao ignorar que esse “crescimento” é dependente das leis da natureza e a natureza, em toda sua amplitude, não é (e nunca será) capaz de dar conta dessa política de crescimento.

Nesse sentido, a economia parece ser completamente míope em relação à necessidade de se regular a produção. Para o bem daqueles que se encontram ao lado da ecologia, contra a economia destruidora, cabe atentar aos preceitos desse novo pensamento que ganha, cada vez mais, contorno de paradigma que veio para ficar. Consoante a isso, analisemos a seguir o que tem dito Lowy e Bellamy Foster que trabalham a ideia de “ecossocialismo”.

O ecossocialismo

Afinal, o que é o ecossocialismo? Para Lowy, “Trata-se de uma corrente de pensamento e de ação ecológica que toma para si as conquistas fundamentais do socialismo – ao mesmo tempo livrando-se de suas escórias produtivistas”.

Já o sociólogo John Bellamy Foster definiu o ecossocialismo como sendo “a regulação racional da produção, respeitando a relação metabólica entre os sistemas sociais e os sistemas naturais, de forma a garantir a satisfação das necessidades comuns das gerações presentes e futuras”.

Portanto, a definição dada por Foster não está muito distante da recomendação feita pelo Relatório Brundtland. Para melhor ilustrar-se essa questão, três aspectos realçam o posicionamento de Foster. São eles:

* O reconhecimento dos limites ao crescimento e a ruptura com a lógica produtivista que associa o aumento do bem-estar a um aumento da produção. Colocar o prefixo eco na palavra socialismo implica conciliar a igualdade intrageracional com a igualdade intergeracional;

* A reformulação do sistema produtivo de forma a torná-lo dependente unicamente do uso de recursos renováveis, articulando com o princípio anterior. Cumpre ressaltar que a sustentabilidade exige um uso dos recursos renováveis a um ritmo que garanta a sua renovação;

* O uso social da natureza, privilegiando a gestão comunitária de recursos comuns.

Como visto, os termos ecossocialismo e socialismo ecológico estão longe de serem apenas modismos ou meras retóricas românticas. São, ademais, conceitos que ganham contornos relevantes num mundo que vive intensamente a mais grave crise ecológica de toda a história. Para o bem de todos nós, o pensamento em defesa da sustentabilidade se fortalece no dia a dia. A natureza e a vida agradecem.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O papa e o marxismo


O papa e o marxismo

Frei Betto *
 
 
O papa Bento XVI tem razão: o marxismo não é mais útil. Sim, o marxismo conforme muitos na Igreja Católica o entendem: uma ideologia ateísta, que justificou os crimes de Stalin e as barbaridades da revolução cultural chinesa. Aceitar que o marxismo conforme a ótica de Ratzinger é o mesmo marxismo conforme a ótica de Marx seria como identificar catolicismo com Inquisição. Poder-se-ia dizer hoje: o catolicismo não é mais útil. Porque já não se justifica enviar mulheres tidas como bruxas à fogueira nem torturar suspeitos de heresia. Ora, felizmente o catolicismo não pode ser identificado com a Inquisição, nem com a pedofilia de padres e bispos.

Do mesmo modo, o marxismo não se confunde com os marxistas que o utilizaram para disseminar o medo, o terror, e sufocar a liberdade religiosa. Há que voltar a Marx para saber o que é marxismo; assim como há que retornar aos Evangelhos e a Jesus para saber o que é cristianismo, e a Francisco de Assis para saber o que é catolicismo.

Ao longo da história, em nome das mais belas palavras foram cometidos os mais horrendos crimes. Em nome da democracia, os EUA se apoderaram de Porto Rico e da base cubana de Guantánamo. Em nome do progresso, países da Europa Ocidental colonizaram povos africanos e deixaram ali um rastro de miséria. Em nome da liberdade, a rainha Vitória, do Reino Unido, promoveu na China a devastadora Guerra do Ópio. Em nome da paz, a Casa Branca cometeu o mais ousado e genocida ato terrorista de toda a história: as bombas atômicas sobre as populações de Hiroshima e Nagasaki. Em nome da liberdade, os EUA implantaram, em quase toda a América Latina, ditaduras sanguinárias ao longo de três décadas (1960-1980).

O marxismo é um método de análise da realidade. E, mais do que nunca, útil para se compreender a atual crise do capitalismo. O capitalismo, sim, já não é útil, pois promoveu a mais acentuada desigualdade social entre a população do mundo; apoderou-se de riquezas naturais de outros povos; desenvolveu sua face imperialista e monopolista; centrou o equilíbrio do mundo em arsenais nucleares; e disseminou a ideologia neoliberal, que reduz o ser humano a mero consumista submisso aos encantos da mercadoria.

Hoje, o capitalismo é hegemônico no mundo. E de 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta, 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, e 1,2 bilhão padecem fome crônica. O capitalismo fracassou para 2/3 da humanidade que não têm acesso a uma vida digna. Onde o cristianismo e o marxismo falam em solidariedade, o capitalismo introduziu a competição; onde falam em cooperação, ele introduziu a concorrência; onde falam em respeito à soberania dos povos, ele introduziu a globocolonização.

A religião não é um método de análise da realidade. O marxismo não é uma religião. A luz que a fé projeta sobre a realidade é, queira ou não o Vaticano, sempre mediatizada por uma ideologia. A ideologia neoliberal, que identifica capitalismo e democracia, hoje impera na consciência de muitos cristãos e os impede de perceber que o capitalismo é intrinsecamente perverso. A Igreja Católica, muitas vezes, é conivente com o capitalismo porque este a cobre de privilégios e lhe franqueia uma liberdade que é negada, pela pobreza, a milhões de seres humanos.

Ora, já está provado que o capitalismo não assegura um futuro digno para a humanidade. Bento XVI o admitiu ao afirmar que devemos buscar novos modelos. O marxismo, ao analisar as contradições e insuficiências do capitalismo, nos abre uma porta de esperança a uma sociedade que os católicos, na celebração eucarística, caracterizam como o mundo em que todos haverão de "partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano". A isso Marx chamou de socialismo.

O arcebispo católico de Munique, Reinhard Marx lançou, em 2011, um livro intitulado O Capital – um legado a favor da humanidade. A capa contém as mesmas cores e fontes gráficas da primeira edição de O Capital, de Karl Marx, publicada em Hamburgo, em 1867."Marx não está morto e é preciso levá-lo a sério", disse o prelado por ocasião do lançamento da obra. "Há que se confrontar com a obra de Karl Marx, que nos ajuda a entender as teorias da acumulação capitalista e o mercantilismo. Isso não significa deixar-se atrair pelas aberrações e atrocidades cometidas em seu nome no século 20".

O autor do novo O Capital, nomeado cardeal por Bento XVI em novembro de 2010, qualifica de "sociais-éticos" os princípios defendidos em seu livro, critica o capitalismo neoliberal, qualifica a especulação de "selvagem" e "pecado", e advoga que a economia precisa ser redesenhada segundo normas éticas de uma nova ordem econômica e política."As regras do jogo devem ter qualidade ética. Nesse sentido, a doutrina social da Igreja é crítica frente ao capitalismo", afirma o arcebispo.

O livro se inicia com uma carta de Reinhard Marx a Karl Marx, a quem chama de "querido homônimo", falecido em 1883. Roga-lhe reconhecer agora seu equívoco quanto à inexistência de Deus. O que sugere, nas entrelinhas, que o autor do Manifesto Comunista se encontra entre os que, do outro lado da vida, desfrutam da visão beatífica de Deus.


* Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais

RESGATAR O AUTÊNTICO COMUNISMO

"Os democratas nos falam da democracia, mas se olhamos de perto a história das democracias, ela está cheia de desastres. Para tomar o exemplo mais elementar, se tomamos a Primeira Guerra Mundial, ela foi lançada por democratas, democratas alemães, ingleses e franceses. Foi um massacre inimaginável, o qual já se demonstrou esteve ligado a apetites financeiros nas colônias africanas, apetites que não diziam respeito aqueles que seriam massacrados mais tarde. Houve milhões de mortos e de sacrificados em condições espantosas e, aceite-se ou não, isso é parte da história das democracias. Se interrogamos o conjunto das experiências históricas veremos que todo o mundo tem sangue até as orelhas.

No que se refere à palavra “comunista” em si, da mesma maneira que ocorre com a palavra “democracia”, sempre se pode argumentar que ambas tem sangue até as orelhas. Mas, por acaso, é preciso sempre inventar outra palavra? Tomemos, por exemplo, o cristianismo. O cristianismo é São Francisco de Assis, a santidade verdadeira, o advento da ideia de uma verdadeira generosidade para com os pobres, a caridade, etc.,etc. Mas, do outro lado, também é a inquisição, o terror, a tortura e o suplício. Por acaso vamos dizer que é um crime alguém se chamar de cristão? Ninguém diz isso. Eu defendo uma espécie de absolvição dos vocábulos. Eles têm o sentido dado pela sequência histórica da qual falamos.

De fato, o comunismo conheceu duas sequências histórias. A sequência histórica do século XIX, quando a palavra foi inventada e propagada para designar uma esperança histórica humana fundamental, a esperança da igualdade, da emancipação das classes oprimidas, de uma organização social igualitária e coletiva. Depois há outra sequência muito diferente onde se experimentou o comunismo, ou seja, se construiu uma forma de poder particular que buscou coletivizar a indústria e essas coisas, mas que, no final, se tornou uma forma de Estado despótico.

Eu proponho que não se sacrifique a palavra “comunismo” por causa desta segunda sequência, mas sim que ela seja resgatada com base na primeira sequência, possibilitando assim a abertura de uma terceira sequência.

Nesta terceira sequência, a palavra “comunismo” significaria o que sempre significou: a ideia de uma organização social totalmente distinta da que conhecemos e que já sabemos que está dominada por uma oligarquia financeira e econômica absolutamente feroz e indiferente aos interesses gerais da humanidade. Eu proponho então voltar ao comunismo sob a forma da ideia comunista: a ideia comunista é a ideia da emancipação de toda a humanidade, é a ideia do internacionalismo, de uma organização econômica mobilizando diretamente os produtores e não as potências exteriores; é a ideia da igualdade entre os distintos componentes da humanidade, do fim do racismo e da segregação e também é a ideia do fim das fronteiras."

(Alain Badiou - filósofo francês)

O fascismo dos “meninos do Rio”

O fascismo dos “meninos do Rio”
Gilson Caroni Filho*

O que há em comum entre uma moradora de rua agredida a socos e pontapés no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, por três homens de classe média que a acusam de quebrar o retrovisor do carro e Vítor Suarez da Cunha, jovem estudante brutalmente espancado ao tentar proteger um mendigo que apanhava de cinco delinquentes no bairro Jardim Guanabara, na Ilha do Governador? Ambos foram vítimas de um estrato social que tem como traço ideológico funesto a recusa da cidadania.

Em menos de uma semana, a violência de um segmento incapaz de distinguir o público e o privado, que tem na venalidade uma de suas marcas, que trata a rua como prolongamento da casa e do quintal, desconhece direitos sociais e políticos, menospreza a condição humana dos que não pertencem à sua geografia social, reiterou, em pontos do estado do Rio de Janeiro, o caráter fascista que lhe é inerente.

Para eles, a liberdade se reduz ao ato de escolher entre várias marcas do mesmo produto e a felicidade é o fim de semana em família esvaziando shopping centers, o consumo do Natal e o réveillon em uma boate “superluxo”. A protegê-los, vigias, olhos eletrônicos, cães de guarda, grupos de extermínio e a polícia violenta que conhecemos, protetora de “gente de bem”. Quando se lançam em busca das ilusões perdidas, dão início a uma busca feroz, mostrando uma força ideológica assustadora.

Num tempo em que pessoas têm sua condição humana aviltada, morrendo como moscas, fatos como estes não podem, após algum tempo de exposição midiática, provocar, no máximo, bocejos. É preciso deixar de contentarmo-nos em sobreviver, de acreditar que “com a gente não acontece” ou, o que é pior, fazer da vítima o culpado. Recusar a indiferença, persistindo em chamar de acidente uma rotina de mortes e de mutilações, conhecida, anunciada e burocraticamente executada cotidianamente. Nas ruas do Leblon e do Jardim Guanabara, o que aconteceu foi um fato político. E como tal precisa ser combatido.

Como classificar o comportamento dos fascistas de “boa aparência”? Perversão? É pouco. Isto é sordidez, abjeção, cegueira de valores. Mais ainda: é sintoma de uma cultura que faz da sarjeta sua medida moral e que, pouco a pouco, destrói um legado histórico, construído com sacrifício de homens, de povos e de nações. O que está em jogo é a consciência de que a vida é um bem, cuja posse não temos o direito de negar a quem quer que seja. O que estamos esperando? Que a lei da oferta e da procura regule o mercado de massacres e extermínios?

A punição exemplar dos agressores, “gente de boa cepa”, é fundamental para que não continuemos a ser uma sociedade moralmente idiotizada. A barbárie não pode continuar satisfazendo o apetite de quem faz do riso cínico a única saída para a impotência e a covardia. Os fascistas têm que saber que já não contam com o “jeitinho brasileiro” de lidar com o direito à vida e a dignidade física e moral de cada um. Do contrário, a certeza da impunidade continuará ampliando a lista de vítimas. Em um país democrático, não se confunde desejo de justiça com direito de vingança.

Vítor Suarez da Cunha, o jovem de 21 anos, que teve 63 pinos implantados no rosto, deu uma magnífica lição de vida, de solidariedade humana. Muitos escreverão sobre sua atitude, mas nenhum texto será capaz de traduzir sua coragem, seu amor ao próximo, sua consciência de cidadania. Ao afirmar que “faria tudo de novo se preciso fosse”, torna-se um símbolo de que a luta política não só é possível como conta com bons combatentes.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.

Revolução Sandinista - Nicaragua



Unindo cristãos e marxistas, a FSLN - Frente Sandinista de Libertação Nacional, derrotou em 1979 as forças leais a ditadura somozista(ditadura corrupta e sanguinaria, responsável por cerca de 50 mil mortos), vencendo a guerra civil. Ao contrário de Cuba, os sandinistas implantaram um socialismo radicalmente democrático, com pluralismo partidario, liberdade de imprensa, etc. A Revolução Sandinista em momento algum impediu o funcionamento da oposição burguesa democrática(representada por Violeta Chamarro, viuva do jornalista Pedro Chamorro, assassinado pela ditadura somozista).

Os sandinistas reconheciam que o socialismo não pode ser estabelecido por decreto, motivo pelo qual estabeleceram uma economia mista, onde os setores estratégicos da economia e os bancos foram estatizados, mas a propriedade privada nos demais setores economicos foi respeitada. Foi realizada a reforma agrária e implantado um programa de alfabetização popular.

O governo da Junta Provisória liderada pelos sandinistas ficou no poder até 1984, quando ocorreram eleições livres e o líder sandinista Daniel Ortega foi eleito presidente com 63% dos votos. Justamente por representar um socialismo com liberdade e democracia que a Revolução Sandinista foi tão combatida pelo imperialismo yankee, que patrocinou o exército terrorista dos chamados "CONTRAS", jogando a Nicarágua em uma sangrenta guerra civil, ao mesmo tempo que promoviam um bloqueio economico contra o país.

""Sem Somoza, a Nicarágua será livre!" No dia 17 de julho de 1979, depois de mais de dez anos de luta contra a ditadura dos Somoza (apoiada desde 1936 pelos Estados Unidos), a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) chegava ao poder. A jovem revolução lança uma reforma agrária, uma campanha para alfabetizar 400 mil pessoas e um programa de saúde cobrindo todo o país. Nacionaliza propriedades do clã Somoza. Revolução original, sem o dogmatismo das precedentes, atrai inúmeras simpatias e cria uma dinâmica regional. "Se a Nicarágua venceu, El Salvador vencerá!", cantam os rebeldes do país vizinho. Na América Central, nascia uma grande esperança.

Washington vê com maus olhos o apoio de Havana – e, menos direto, da União Soviética – a um país que esteve durante muito tempo sob seu controle. Por isso, ainda em 1980, em sua luta contra o "império do mal", o presidente Ronald Reagan ordena um boicote, organiza, equipa e treina, através da CIA, uma oposição armada composta de ex-guardas somozistas refugiados em Honduras, os contra. Apesar da eleição presidencial vencida por Daniel Ortega (com 63% dos votos) no dia 4 de novembro de 1984 – quando mais de 500 observadores estrangeiros fiscalizaram a idoneidade do escrutínio – a agressão continuou. E foi condenada em 27 de julho de 1986 pelo Tribunal Penal Internacional de Haia, do qual Washington se apressou em denunciar a falta de competência. Emaranhada em escândalos, como o Irã-contragate (venda ilegal de armas norte-americanas ao Irã para financiar os contra), essa agressão faria 29 mil mortos e deixaria o país desestabilizado. "

(François Houtart; "Histórico e razões de uma derrota")


Cansados da violenta guerra civil, os nicaraguenses votaram em Violeta Chamorro, lider da oposição burguesa democrática, nas eleições presidenciais de 1990, encerrando assim com a Revolução Sandinista.

"No final da década de 80, o projeto revolucionário se desintegra. Sufocado pelo boicote norte-americano, o país teve que se militarizar sob a pressão da economia mundial, impondo medidas de austeridade. Embora tenha beneficiado os camponeses sem terra, a reforma agrária esqueceu uma parte dos pequenos camponeses que passariam a ser uma base social dos 'contra'. Apesar da presença de três padres no governo, a Igreja católica, representada por Dom Obando y Bravo, arcebispo de Manágua, e apoiada pelo papa João Paulo II, demoniza o regime e marginaliza os cristãos comprometidos com o processo revolucionário.

Para surpresa da Frente Sandinista, que não se preparara para isso, as eleições de fevereiro de 1990 resultam na derrota dos sandinistas. Apesar das muitas conquistas sociais (educação, propriedade da terra, alimentação, saúde, seguridade social, moradia), as pessoas não toleram mais a guerra, o recrutamento militar obrigatório de uma parte dos jovens, as medidas de austeridade e o aumento do custo de vida. A oposição promete a paz, o fim do boicote norte-americano e a prosperidade. Os eleitores escolhem Violeta Chamorro (54,2% dos votos). Derrotados, a FSLN e seu candidato, Daniel Ortega, aceitam entregar o poder, democraticamente."

(François Houtart; "Histórico e razões de uma derrota")


Apesar das dificuldades do pós-guerra, um acordo implícito entre Violeta Chamorro e os dirigentes sandinistas permitiu uma transição relativamente pacífica. Entretanto o novo governo colocou em prática uma política social devastadora. A política neo-liberal, os programas de ajuste e de abertura do mercado deixaram as classes populares à beira da exaustão.

Mas hoje, os sandinistas voltaram ao poder pelo voto, com o governo do presidente Daniel Ortega, que busca resgatar os valores dessa revolução e assim combater a miséria promovida pelas políticas neo-liberais adotadas no país após 1990.
 

Cuba precisa caminhar rumo a uma democracia socialista


Cuba infelizmente é uma ditadura de partido único, herdeira do finado "socialismo real". Lógico que me oponho a essa ditadura, até porque nas palavras do historiador Jacob Gorender:

"O regime ideal para Cuba não é o do partido único, como não o é para nenhum país socialista." (Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 16)

Entretanto é inegavel que Cuba representa o ultimo bastião de resistência ao imperialismo yankee na América Latina, assim como é inegavel as conquistas sociais da revolução liderada por Fidel Castro, Raul Castro, e Che Guevara, principalmente nas áreas de saúde e educação, onde o serviço é público e com qualidade de Primeiro Mundo. Apesar dos seus graves erros, a Revolução Cubana demonstra como o socialismo é superior ao capitalismo no aspecto da justiça social.

Por isso eu defendo a Revolução Cubana, apesar da minha oposição ao regime ditatorial de partido unico e a burocracia. Torço para que Cuba promova reformas e consiga corrigir os seus graves erros, tornando-se uma democracia socialista com pluripartidarismo, imprensa e sindicatos livres, etc. E confio na resistência do povo cubano, que não permitirá um retrocesso ao capitalismo, o que faria o país voltar a ser um "bordel" dos EUA, como era antes da revolução.

Minha posição é a mesma da ex-senadora Heloisa Helena, do PSOL, que se opõe a ditadura castrista, mas apoia a Revolução Cubana e uma transição rumo a uma democracia socialista.

"Infelizmente, as conquistas sociais, que devem ser admiradas e que são copiadas em vários países, não foram seguidas por um modelo de democracia socialista com a qual me identifico."(Heloisa Helena)

Segundo a ex-senadora, as críticas dos socialistas a Cuba devem ser generosas e sinceras, com o intuito de contribuir para a transição. Essas críticas, enfatizou, não têm nada a ver com o que diz a direita: "O Bush deveria lavar a boca com água sanitária antes de sequer pronunciar o nome de Fidel."

A Teologia da Libertação



"A Teologia da Libertação nunca teve Marx como pai nem como padrinho. Ela bebeu primeiramente de sua própria fonte, que é a tradição judaico-cristã, que sempre deu centralidade aos pobres, ao tema da libertação do cativeiro egípcio e babilônico e à prática histórica de Jesus, que foi pobre e disse "felizes de vocês pobres e ai de vós ricos". E que não morreu tranqüilamente na cama como um piedoso rabino cercado de discípulos, mas na cruz, fruto de um juízo político-religioso que o condenou com o castigo dado a revoltosos sociais. Mas ela encontrou em Marx as boas razões para entender por que o pobre não é pobre, e sim um explorado e injustiçado. Ele é um empobrecido, feito pobre por fatores de ordem econômica, social e cultural, que hoje ganham corpo especialmente no capitalismo. Isso deu lucidez à Teologia da Libertação, mas também atraiu as acusações das classes sociais conservadoras, que sempre usaram a Igreja para legitimar seu projeto, que implicava a exclusão do povo." (Leonardo Boff; teólogo, filósofo e escritor)


A Teologia da Libertação e as transformações do mundo
Waldemar Rossi*

Na segunda metade da década de 60 do século passado começa a aparecer uma elaboração teológica embasada na dura vida do povo latino-americano. Fruto de dezenas de anos de vivência, de engajamento social e político e de testemunho cristão no meio do povo, a Ação Católica deu uma enorme contribuição à reflexão teológica a partir da vida, do cotidiano desse mesmo povo.

As motivações surgidas nas constantes reflexões dos vários movimentos de Ação Católica, e as luzes emanadas do Concílio Vaticano II, animaram os vários teólogos - comprometidos com a caminhada do povo simples e lutador - a elaborar uma teologia que iluminasse os cristãos, de forma ordenada e profunda, e os animasse a assumirem os desafios do mundo do trabalho, no campo e nas cidades, do engajamento político e social. No centro dessa elaboração teológica, além dos valores da LIBERTAÇÃO - inspirados na longa experiência do Povo de Deus, do tempo do Antigo Testamento, e nas experiências dos cristãos, renovados pela Boa Nova de Jesus Cristo – estavam, também, os valores e contra-valores dos Conflitos de Classe, presentes no Sistema de Exploração do Trabalho Assalariado, comandado pelos interesses da Produção Industrial. Em suma, nessa Teologia da Libertação estava e está presente um certo conceito da Luta de Classes elaborado por Marx, assim como estão presentes os anseios e as lutas pela libertação, contidos em todos os livros da bíblia, portanto, presente nas experiências do povo Hebreu e também na pregação e na prática de Jesus Cristo. (Mt. 5, 1-12; 9, 14-17; 23 (todo); Mc. 11, 15-19; 12,1-10;12, 38-40; Lc. 1,46-55; 2,33-35; 4, 17-21 e 24, 17-21)).

Os encontros de Medellin e Puebla, iluminados pelas luzes da Teologia da Libertação, impulsionaram as Comunidades de Base, uma nova maneira de ser Igreja, que assimilaram o sentido da libertação evangélica, enraizada nas lutas constantes para vencer a "moderna" opressão imposta pelos poderosos de nossos tempos. Foram anos frutuosos em que, das CBs, nasceram dezenas e dezenas de grupos que assumiram prá valer as lutas por moradia, transporte, saneamento básico, iluminação pública, educação, creche, saúde pública. Os ensinamentos contidos nessa Teologia colaboraram para que várias centenas de trabalhadores, homens e mulheres, operários e lavradores assumissem, com muita garra, a luta pelo desatrelamento sindical das amarras do Ministério do Trabalho, pelo direito da livre organização sindical e a luta pela liberdade de organização partidária.

A Teologia da Libertação foi fundamental para a firme postura da Igreja (tanto católica quanto das igrejas do CONIC), de enfrentamento com a ditadura militar, denunciando seus crimes, exigindo seu fim e a volta da democracia. A opção preferencial pelos pobres, assumida pela Igreja, está alicerçada nos profundos conceitos de justiça nela contidos.

O próprio Jesus nos advertia quanto às perseguições que sofreríamos por assumir a causa da sua Boa Nova. Assim foi com esse extraordinário movimento. A perseguição veio de fora e de dentro da própria Igreja, de setores que controlam o Vaticano, inconformados com os avanços dos cristãos rumo às idéias do socialismo. Muito se fez para confundir a opinião pública mundial, colocando no mesmo barco os ideais e a consagrada e universal luta de classes com as várias propostas de luta armada. Por mais que se procurasse mostrar que as experiências não são iguais, esses mesmos setores não abriram mão de tentar impor pesadas e injustas censuras à Teologia da Libertação. Muito se dizia à época que setores do Vaticano eram muito simpáticos ao modelo norte-americano, daí a razão desse infeliz combate. Tivemos até mesmo uma certa dose de inquisição imposta aos teólogos dessa corrente teológica.

Os tempos passaram, houve um pequeno retrocesso, momentos de dúvidas, hesitações, porém, as raízes profundas " como uma árvore plantada junto ao rio" resistiram, vencendo a tempestade. A caminhada nunca parou e, adaptada aos novos tempos, continua firme, rumo aos horizontes libertários.

A CNBB, é o sinal dessa presença obstinada, teimosa e perseverante na luta pela justiça social. Iniciativas como as Campanhas da Fraternidade, as Semanas Sociais Brasileiras, os documentos sobre as eleições, pela erradicação da miséria e da fome, os documentos e os plebiscitos sobre a Dívida Externa e sobre a ALCA são o resultado dessa permanente luta pela libertação do nosso povo e de todos os " povos oprimidos pelo capital opressor".

Em nosso entendimento, quanto mais avança a exploração do capital, mais se afirma a importância e a necessidade desse grande movimento teológico. Nunca, na História da Humanidade, a escravização e a exclusão econômica e social foram concomitantemente tão cruéis quanto em nossos tempos. A teologia da Libertação torna-se o grande instrumento de conscientização e de mobilização do povo marginalizado capaz de fazer frente à ideologia do capital, pois, " UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL". Podemos construir um mundo diferente, alicerçado na justiça, no direito e na fraternidade. O momento histórico nos convida a fazê-lo.

*Waldemar Rossi é sindicalista da Oposição Metalúrgica de São Paulo, aposentado; Membro da coordenação da Pastoral Operária de São Paulo

Marxismo e religião



O filósofo e revolucionário alemão Karl Marx era ateu. Afirmava que religião é "o ópio do povo". Queria com isto afirmar que esta existe para encobrir o verdadeiro estado das coisas numa sociedade, tornando os indivíduos mais receptivos ao controle social e a exploração. Concomitantemente, afirmava que a religião era "a alma de um mundo sem alma", querendo assim dizer que a experiência religiosa surgia como uma reação normal de busca de sentido numa realidade social alienante.

O 1ᵒ turno na França, suas possibilidades, e a ameaça visível

O 1ᵒ turno na França, suas possibilidades, e a ameaça visível

*Por Milton Temer

Excelentes os 11,7% de votos dados a Melenchon, candidato do Front de Gauche, nas presidenciais da França. Quem acompanhou os discursos nos comícios multitudinários, concorda ter sido um porcentual elevado, visto ter sido conquistado numa campanha sem concessões ideológicas ou de princípios. Saiu dos 2% iniciais, falando em “luta de classes” e em “Revolução Cidadã” contra o grande capital; defendendo imigrantes e combatendo a xenofobia crescente no País. Não é pouca coisa num contexto em que a sufocante mídia conservadora – num cantochão semelhante em todas as partes do mundo – aposta tudo na desqualificação da política, de molde a impor o “livre mercado” e o “Estado mínimo”, sem regras nem freios, como a única forma válida – a pensée unique - de preservar a “liberdade individual”, ou a restauração da “ordem natural”,. Uma ordem onde o mais forte tem a lei ao lado para trucidar o mais fraco, tão a gosto dos predadores sociais.

Aterrorizantes, no entanto, os 18% destinados à nazi-fascista Marine LePen. Quem acompanhou seus discursos em comícios de campanha não pode deixar de constatar a semelhança metodológica com o histrionismo do precursor do modelo, um certo Adolfo Hitler, num quadro de crise européia proporcionalment semelhante ao atual, por volta dos anos 30 do século passado. Era o combate simultâneo ao “sistema” – sem que isso seja definido ao qualificar os agentes – causador do desemprego e da insegurança dos franceses. Toda aquela demagogia patrioteira que, na praça, denuncia os poderosos, para com eles se acertar nos corredores inacessíveis ao controle público, nos acertos que resultam em um regime autoritário pró-grande capital, com esmolas distribuidas aos que hoje, sem nada, aplaudirão agradecidos.

Seu sucesso tem a ver com algo, lamentavelmente, alimentado até por uma parte dos ditos segmentos progressistas da sociedade, quando deixam de separar o joio do trigo na vida partidária, e entram no cantochão puramente movimentista, focado em louvar o apartidarismo – “são todos iguais”-. Movimentismo limitado que concorre indiretamente ao fortalecimento dos objetivos daqueles que pretendem combater: os predadores privados da res publica.

Diante dos resultados do primeiro turno, o que se prevê para 6 de maio, quando Hollande e Sarkozy (o candidato de Merkel, a chanceler do III Reich) se confrontam em turno decisivo? O mais razoável é considerar uma vitória do medíocre socialdemocrata Hollande, cujo início de campanha pouco se diferenciava, em termos programáticos, daquilo que era dito por Merkozy (é assim que o tratam atualmente na Europa). Ele terá o apoio fechado de todas as correntes de esquerda (salvo os insignificantes sectários idiotas de sempre), enquanto entre os eleitores de LePen, apenas 60% se revelam pró-Sarkozy, segundo as pesquisas iniciais.

Mas será uma vitória muito mais consequente da mobilização da esquerda contra o governo atual, do que esperança concreta em alguma forma de mudança fundamental nas concepções reacionárias de reação à crise financeira impostas pelo governo alemão ao resto do continente. Por conta, no entanto, do crescimento acentuado dessa esquerda revolucionária durante a campanha, será bem menos pior do que se isto não tivesse ocorrido. Dentro de seu próprio partido, Madelaine Aubry, secretária-geral, lider de tendência bem mais combativa do PS, encontra na votação de Melenchon um argumento fundamental para impor algumas ousadias que pretendia implementar caso tivesse vencido as primárias contra Hollande. Está bem à sua esquerda, e obrigará Hollande a avanços que o picolé de xuxu socialdemocrata não assumiria caso não dependesse tanto do Front de Gauche.

Nada está decidido, porém. E mesmo com a vitória de Hollande, a crer na manutenção da austeridade e do terror contra conquistas sociais que a fórmula Merkel já conseguiu impor na Grécia, na Espanha e em Portugal, seria uma leviandade baixar as armas de defesa diante da ameaça LePen, cujas idéias básicas passam a ser abertamente defendidas por Sarkozy, como possibilidade única de alcançar os votos que precisa.

Ou seja; a França, sempre exemplar na história da luta de classes, vai ser um cenário fundamental na definição dos rumos do que poderá vir a ocorrer na Europa. E que os “verdes”, especialistas em acertos de sustentabilidade dentro dos limites do capitalismo, e os movimentistas reduzidos à “indignação” de manifestações esporádicas, se dêem conta. O embate contra o nazi-fascismo ascendente na Europa não pode ser fragmentado, corporativista, e limitado a pequenas conquistas em políticas ambientais ou de gênero. O combate é universalizado. Contra o capital, na sua essência, portanto organizado em torno dos partidos políicos da esquerda revolucionária.

* Milton Temer é jornalista, ex-deputado federal, dirigente do PSOL.  

Atualizar o pensamento marxista, rompendo com o dogmatismo

O cientista político Carlos Nelson Coutinho, que na minha opinião é um dos grandes nomes do marxismo em nosso país, deixa bem claro a necessidade de atualizar o pensamento marxista, rompendo com o dogmatismo que aprisiona a esquerda socialista ao século passado.

"Socialismo não é um ideal ético ao qual tendemos para melhorar a ordem vigente. O socialismo é uma proposta de um novo modo de produção, de uma nova forma de sociabilidade, e nesse sentido eu acho que o socialismo é, mesmo no século 21, uma proposta de superar o capitalismo. Novidades surgiram, por exemplo: quem leu o Manifesto Comunista, como eu, vê que Marx e Engels acertaram em cheio na caracterização do capitalismo. A ideia da globalização capitalista está lá no Manifesto Comunista, o capitalismo cria um mercado mundial, expande e vive através de crises. Essa ideia de que a crise é constitutiva do capitalismo está lá em Marx. Mas há um ponto que nós precisamos rever em Marx, e rever certas afirmações, que é o seguinte: Quem é o sujeito revolucionário? Nós imaginamos construir uma nova ordem social. Naturalmente, para ser construída, tem que ter um sujeito. Para Marx, era a classe operária industrial fabril, e ele supunha, inclusive, que ela se tomaria maioria da sociedade. Acho que isso não aconteceu. O assalariamento se generalizou, hoje praticamente todas as profissões são submetidas à lei do assalariamento, mas não se configurou a criação de uma classe operária majoritária. Pelo contrário, a classe operária tem até diminuído. Então, eu diria que este é um grande desafio dos socialistas hoje. Hoje em dia tem aquele sujeito que trabalha no seu gabinete em casa gerando mais-valia para alguma empresa, tem o operário que continua na linha de montagem .. Será que esse cara que trabalha no computador em casa se sente solidário com o operário que trabalha na linha de montagem? Você vê que é um grande desafio. Como congregar todos esses segmentos do mundo do trabalho permitindo que eles construam uma consciência mais ou menos unificada de classe e, portanto, se ponham como uma alternativa real à ordem do capital?" (Carlos Nelson Coutinho, em entrevista na Caros Amigos, dezembro de 2009)

E também fala sobre a necessidade de conciliar socialismo com liberdade e democracia, conciliação que não foi realizada na fracassada experiência socialista do século passado. E esse foi o erro mais grave do chamado "socialismo real".

"Um desafio também fundamental é repensar a questão da democracia no socialismo. Eu diria que, em grande parte, o mal chamado "socialismo real" fracassou porque não deu uma resposta adequada à questão da democracia. Eu acho que socialismo não é só socialização dos meios de produção - nos países do socialismo real, na verdade, foi estatização - mas é também socialização do poder político. E nós sabemos que o que aconteceu ali foi uma monopolização do poder político, uma burocratização partidária que levou a um ressecamento da democracia. A meu ver, aquilo foi uma transição bloqueada. Eu acho que os países socialistas não realizaram o comunismo, não realizaram sequer o socialismo e temos que repensar também a relação entre socialismo e democracia." (Carlos Nelson Coutinho, em entrevista na Caros Amigos, dezembro de 2009) 

A esquerda precisa fazer autocritica, corrigir os erros e romper com o dogmatismo, refundando o socialismo segundo a realidade da luta de classes em nossa época.

O Estado laico e o ensino religioso nas escolas


O Estado laico e o ensino religioso nas escolas

*Por Alexandre Perger

Constitucionalmente, o Estado brasileiro é laico, portanto, nenhuma instituição pública deve se manifestar a favor de qualquer credo ou religião. Tem a obrigação de respeitar todas, já que o cidadão tem o direito de liberdade religiosa. Mas, infelizmente, essa lei não é devidamente aplicada no Brasil. Os exemplos pode ser vistos nas casas do legislativo e do judiciário, nas quais podemos facilmente encontrar símbolos da Igreja Católica pendurados na parede, como crucifixos e terços. Isso já caracteriza o descumprimento da lei, pois qualquer menção a apensas uma religião está despeitando as demais.No entanto, esse não é o principal problema, pois trata-se de simbolismo. A situação mais grave foi apurada e denunciada por uma pesquisa feita pela Universidade Federal de Brasília. O estudo, que resultou no livro “Laicidade, o ensino religioso no Brasil”, aponta que a religião cristã é a mais evidenciada nos livros utilizados nas aulas de ensino religioso das escolas públicas do Brasil. A figura de Jesus Cristo aparece dezenas de vezes mais que a de outros líderes religiosos, sendo que alguns nem mesmo são citados. Outro grave fato apontado pela pesquisa é o estímulo ao preconceito contra homossexuais e ateus. Os livros de ensino religioso afirmam que o “homossexualismo” não é natural, além de ser doença e desvio de conduta. Já os ateus, por não acreditarem em deus, são comparados aos nazistas.

Infelizmente, esse tipo de fato mostra que o Estado brasileiro ainda não se desvinculou da Igreja Católica, que continua pautando suas crenças na sociedade, como se fosse a verdade única e absoluta. Com isso, comprova-se que vai demorar para que as minorias tenham vez e voz no Brasil. O fato de que a maioria da população brasileira seja católica não impede que outras religiões com menos adeptos tenham espaço nas instituições públicas do país. As crianças precisam aprender que existem outros credos, até para que um dia, quando estiverem adultas e longe da influência dos pais, possam escolher em que vão acreditar ou se não vão acreditar em nada. Não é papel da escola decidir isso por ninguém, muito menos estimular a ignorância com comparações idiotas e mentiras, como as afirmações sobre os homossexuais.

*Alexandre Perger é jornalista e secretário de comunicação do PSOL Joinville

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A BARBÁRIE CAPITALISTA


"Nas sociedades antigas, a "barbárie" e os seus portadores - os "bárbaros" invasores - foram vistos como uma ameaça vinda das regiões periféricas de Roma ou Atenas. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, os bárbaros vêm de dentro, da elite, com a intenção de impor uma nova ordem que corrói o tecido social e a base produtiva da sociedade, convertendo meios de subsistência estáveis em condições deterioradas e inseguras da vida cotidiana.

A chave para a barbárie contemporânea encontra-se nas estruturas internas do Estado imperial e da economia. Estas incluem:

1. A ascensão de uma elite financeira e especulativa, que tem saqueado trilhões de dólares dos poupadores, investidores, mutuários, consumidores e do Estado, subtraindo enormes recursos da economia produtiva e colocando-os nas mãos da camada parasitária aninhada no Estado e nos mercados financeiros.

2. A elite política militarista, que vem supervisionando um estado de guerra permanente desde meados do século passado. Terror de Estado, guerras intermináveis, assassinatos em zonas fronteiriças e a suspensão das garantias constitucionais tradicionais levaram à concentração de poderes ditatoriais, prisões arbitrárias, torturas e à negação do habeas corpus.

3. Em meio a uma profunda recessão econômica e estagnação, os altos gastos do Estado na construção de um império econômico e militar, às expensas da economia nacional e dos padrões de vida, refletem a subordinação da economia local às atividades do Estado imperial.

4. A corrupção desde o topo, visível em todos os aspectos da atividade do Estado - desde as aquisições de bens e serviços até a privatização e os subsídios para os super-ricos -, incentiva o crescimento do crime internacional de cima para baixo, a lumpenização da classe capitalista e um Estado onde a lei e a ordem se encontram em descrédito.

5. Resultantes dos elevados custos de construção do império e da pilhagem da oligarquia financeira, os encargos sócio-econômicos recaem diretamente sobre os ombros dos trabalhadores assalariados, aposentados e trabalhadores por conta própria, determinando uma grande mobilidade descendente na escala social ao longo do tempo. Com a perda de empregos e o desaparecimento das posições mais bem remuneradas, as retomadas de casas pelos bancos crescem exponencialmente e as classes médias, antes estáveis, encolhem, e os trabalhadores são forçados a alongar suas jornadas de trabalho diárias e a trabalhar durante um maior número de anos.

6. As guerras imperiais, que se espalham pelo mundo e são direcionadas a populações inteiras, que sofrem com os bombardeios e as operações clandestinas de terror, geram, em oposição, redes terroristas, que também atingem alvos civis nos mercados, transportes e espaços públicos. O mundo vai se parecendo ao pesadelo hobbesiano de "todos contra todos".

7. Um crescente extremismo etno-religioso ligado ao militarismo é encontrado entre os cristãos, judeus, muçulmanos e hindus, que substitui a solidariedade de classe internacional por doutrinas de supremacia racial e penetra as estruturas profundas dos Estados e das sociedades.

8. O desaparecimento dos Estados europeus e asiáticos de bem-estar social coletivo - nomeadamente, a ex-URSS e a China - levantou as pressões competitivas sobre o capitalismo ocidental e o encorajou à revogação de todas as concessões de bem-estar social obtidas pela classe trabalhadora no período pós-II Guerra Mundial.

9. O fim do "comunismo" e a integração da social-democracia ao sistema capitalista levaram a um enfraquecimento severo da esquerda, que os protestos esporádicos dos movimentos sociais não conseguiram substituir.

10. Diante do atual assalto às condições de vida dos trabalhadores e da classe média, só se vêem protestos esporádicos, no melhor dos casos, e impotência política, no pior.

(...)

Em resumo, a barbárie surgiu como uma realidade definida, produto da ascensão de uma classe dominante financeira parasitária e militarista. Os bárbaros encontram-se aqui e agora, presentes dentro das fronteiras das sociedades ocidentais e seus Estados. Eles governam e perseguem agressivamente uma agenda que está continuamente a reduzir os padrões de vida, a transferir a riqueza pública para os seus cofres privados, a pilhar recursos públicos, a violar direitos constitucionais no exercício de suas guerras imperiais, a segregar e perseguir milhões de trabalhadores imigrantes e a promover a desintegração e o desaparecimento do trabalho estável e de classe média. Mais do que em qualquer outro momento na história recente, o 1% mais rico da população controla uma parcela crescente das riquezas e das rendas nacionais."

(James Petras; A tendência à barbárie e as perspectivas do socialismo)

‎27 horas

‎27 horas 
Márcio Pochmann

A conhecida semana inglesa de trabalho parece se transformar rapidamente em miragem para parcela crescente dos ocupados. Pesquisa realizada sobre condições de vida e trabalho no Reino Unido revela que, nas atividades de serviços, o antigo descanso semanal de 48 horas foi reduzido na prática para somente 27 horas.

Há fortes indícios de que a jornada de trabalho deixa de começar na manhã de segunda-feira e se encerrar na tarde de sexta para, cada vez mais, se iniciar no meio da tarde de domingo e prolongar-se até o início da tarde do sábado.

Assim, o tempo do descanso semanal é diminuído em 21 horas (43,7%), conforme estudos sobre hábitos do trabalho de 4.000 empregados de 16 a 60 anos de idade no setor de serviços britânico. A cada dez ocupados, seis efetuam tarefas relacionadas ao trabalho heterônomo (pela sobrevivência) no final de semana.

Entre as principais atividades laborais fora do local de trabalho estão as ligadas ao uso contínuo do computador pessoal, especialmente em tarefas de correio eletrônico, internet e no desenvolvimento de relatórios e planejamento.

A maior parte dos ocupados que trabalham no final de semana informa exercê-lo por pressão da empresa, embora haja aqueles que são estimulados a fazê-lo pela concorrência entre os colegas.

No tempo da Revolução Industrial, décadas de lutas do movimento social e trabalhista foram necessárias para conter as extensas jornadas de trabalho (superiores a 14 horas diárias e a mais de 80 horas semanais). Por meio de férias, do descanso semanal e dos limites máximos impostos à jornada (oito horas diárias e 48 horas semanais), a relação do trabalho com o tempo de vida reduziu-se de mais de dois terços para menos da metade.

Assim, os laços de sociabilidade urbana foram construídos por meio do avanço de atividades educacionais, lazer e turismo, entre outras fundamentais à consolidação de um padrão civilizatório superior.

Paradoxalmente, o curso atual da revolução tecnológica nas informações e comunicações faz com que o ingresso na sociedade pós-industrial seja acompanhado da elevação da participação do trabalho no tempo de vida.

O transbordamento laboral para fora do local de trabalho compromete não apenas a qualidade de vida individual e familiar como também a saúde humana.

Não são diminutos os diagnósticos a respeito das novas doenças profissionais em profusão.

O predomínio do trabalho imaterial, não apenas mas substancialmente estendido pelas atividades no setor terciário das economias -a principal fonte atual de geração de novas vagas-, permite que o seu exercício seja fisicamente mais leve, embora mentalmente cada vez mais cansativo.

Antigos acidentes laborais provocados pelo esmagamento em máquinas são substituídos por novos problemas, como o sofrimento humano, a solidão e a depressão, cada vez mais associada às jornadas excessivas de trabalho e ao consumismo desenfreado.

A imaterialidade do trabalho, mesmo nas fábricas, por efeito da automatização e das novas tecnologias de informação e comunicação, torna o exercício laboral mais intenso e extenso.

Por força do transbordamento laboral para além do local de trabalho, a jornada de 48 horas aumenta para 69 horas semanais, enquanto o descanso reduz-se de 48 horas para 27 horas na semana.

 

* Márcio Pochmann, professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Texto publicado na coluna Tendências / Debates do jornal Folha de S.Paulo, edição de 23/01/2011

Televisão: fábrica de mais-valia ideológica


Televisão: fábrica de mais-valia ideológica

Elaine Tavares: Jornalista do Instituto de Estudos Latino-americanos

A televisão é uma usina ideológica. Gera milhares de megawatts de ideologia a cada programa, por mais inocente que pareça ser. E ideologia como definiu Marx: encobrimento da realidade, engano, ilusão, falsa consciência. Então, se considerarmos que a maioria da população latino-americana, aí incluída a brasileira, se informa e se forma através desse veículo, pensá-la e analisá-la deveria ser tarefa intelectual de todo aquele que pensa o mundo. Afinal, como bem afirma Chomsky, no seu clássico "Os Guardiões da Liberdade”, os meios atuam como sistema de transmissão de mensagens e símbolos para o cidadão médio. "Sua função é de divertir, entreter e informar, assim como inculcar nos indivíduos os valores, crenças e códigos de comportamento que lhes farão integrar-se nas estruturas institucionais da sociedade”. Não é sem razão que bordões, modas e gírias penetram nas gentes de tal forma que a reprodução é imediata e sistemática.

Um termômetro dessa usina é a famosa "novela das oito”, que consolidou um lugar no imaginário popular desde os anos 60, com a extinta Tupi, foi recuperado com maestria pela Globo e vem se repetindo nos demais canais. O horário nobre é usado pela teledramaturgia para repassar os valores que interessam à classe dominante, funcionando como uma sistemática propaganda que visa a manutenção do estado de coisas. É clássica, nos folhetins, a eterna disputa entre o bem e o mal, o pobre e o rico, com clara vinculação entre o bem e o rico. Sempre há um empresário bondoso, uma empresária generosa, um fazendeiro de grande coração, que são os protagonistas. E, se a figura principal começa a novela como pobre é certo que, por sua natural bondade, chegará ao final como uma pessoa rica e bem sucedida, porque o que fica implícito que o bem está colado à riqueza, vide a Griselda de Fina Estampa, a novela da vez.

Outro elemento bastante comum nas novelas é o da beleza da submissão. Como os protagonistas são sempre pessoas ricas, eles estão obviamente cercados dos serviçais, que, no mais das vezes os amam e são muito "bem-tratados” pelos patrões. Logo, por conta disso, agem como fiéis cães de guarda. Um desses exemplos pode ser visto atualmente na novela global. É o empregado-amigo (?) da vilã Tereza Cristina. Ele atua na casa da milionária como um mordomo, cúmplice, saco de pancadas, dependendo do humor da mulher. Ora ela lhe conta os dramas, ora lhe bate na cara, ora lhe ameaça tirar tudo o que já lhe deu. E ele, premido pela necessidade, suporta tudo, lambendo-lhe as mãos como um cachorrinho amestrado. Tudo é tão sutil que não há quem não se sinta encantado pelo personagem. Ele provoca o riso e a condescendência, até porque ainda é retratado de forma caricata como um homossexual cheio de maneios, trejeitos e extremamente servil.

Mas, se o servilismo de Crô pode ser questionado pela profunda afetação, outros há que aparecem ainda mais sutis. É o caso da turma da praia que, na pobreza, hostilizava Griselda e, agora, depois que ela ficou rica, passou para o seu lado, vindo inclusive trabalhar com a faz-tudo, assumindo de imediato a postura de defensores e amigos fiéis. Ou ainda a relação dos demais trabalhadores com os patrões "bonzinhos”, como é o caso do Paulo, o Juan, o homem da barraquinha de sucos, e o Renê. Todos são "amigos” e fazem os maiores sacrifícios pelos patrões, reforçando a ideia de que é possível existir essa linda conciliação de classe na vida real. O grupo que atua com o cozinheiro Renê, por exemplo, foi demitido pela vilã, não recebeu os salários, viveu de brisa por um tempo e retomou o trabalho com o antigo chefe por pura bem-querença. Coisa de chorar.

Nesses folhetins também os preconceitos que interessam aos dominantes acabam reforçados sob a faceta de "promoção da democracia”. O negro já não aparece apenas como bandido, mas segue sendo subalterno. No geral faz parte do núcleo pobre, mas é generoso e sabe qual é o "seu lugar”. É o caso do ético funcionário da loja de motos. Um bom rapaz, que, no máximo, pode chegar a gerente da loja. As pessoas que discutem uma forma alternativa de viver aparecem como gente "sem-noção”, no mais das vezes caricaturada, como é o caso da garota que prevê o futuro, a mulher negra que era bruxa, o rapaz que brinca com fogo ou os donos da pousada que em nada se diferem de empresários comuns, a não ser nas roupas exotéricas. Ou o personagem do Zé Mayer, numa antiga novela, que via discos voadores, não aceitava vender suas terras e, no final, "fica bom”, entregando sua propriedade para a empresária boazinha que era dona de uma papeleira. Os homossexuais também encontram espaço nas novelas, dentro da lógica da "democratização”, mas continuam sendo retratados de forma folclórica, como é o caso do Crô, na novela das oito, ou do transexual da novela das sete. Já o índio, como é invisível na vida real, tampouco tem vez nas tramas novelistas e quando tem, como a novela protagonizada por Cléo Pires, vem de forma folclórica e desconectada da vida real. E assim vai...

Gente há que fica indignada com os modelos que as telenovelas reproduzem ano após ano, mas essa é realidade real. Os folhetins nada mais fazem do que reforçar as relações de produção consolidadas pelo sistema capitalista. Até porque são financiados pelo capital, fazendo acontecer aquilo que Ludovico Silva chama de "mais-valia ideológica”. Ou seja, a pessoa que está em casa a desfrutar de uma novela, na verdade segue muito bem atada ao sistema de produção dessa sociedade, consumindo não só os produtos que desfilam sob seu olhar atento, enquanto aguardam o programa favorito, mas também os valores que confirmam e afirmam a sociedade atual. Prisioneira, a pessoa permanece em estado de "produção”, sempre a serviço da classe dominante. Assim, diante da TV – e sem um olhar crítico - as pessoas não descansam, nem desfrutam.

É certo que a televisão e os grandes meios não definem as coisas de forma automática. Como bem já explicou Adelmo Genro, na sua teoria marxista do jornalismo, os meios de comunicação também carregam dentro deles a contradição e vez ou outra isso se explicita, abrindo chance para a visão crítica. Momentos há em que os estereótipos aparecem de maneira tão ridícula que provocam o contrário do que se pretendia ou personagens adquirem tanta força que provocam um explodir da consciência. E, nesses lampejos, as pessoas vão fazendo as análises e podem refletir criticamente. Mas, de qualquer forma, esses momentos não são frequentes nem sistemáticos, o que só confirma a função de fabricação de consenso que é reservada aos meios. Um caso interessante é o do transexual que está sendo retratado na novela da Record, que passa às dez horas. "Dona Augusta” é nascida homem e se faz mulher, sem a folclorização do que é retratado na Globo. É "descoberta” pelo filho que a interna como louca. Toda a discussão do tema é muito bem feita pelos autores, sem estereótipos, sem falsa moral. Mas, é a TV dos bispos evangélicos, que, por sua vez, na vida real pregam a homossexualidade como "doença”. São as contradições.

De qualquer sorte, a teledramaturgia brasileira deveria ser bem melhor acompanhada pelos sindicatos e movimentos sociais. E cada um dos personagens deveria ser analisado naquilo que carrega de ideologia. Não para ensinar aos que "não sabem”, mas para dialogar com aqueles que acabam capturados pelo véu do engano. Assim como se deve falar do que silencia nos meios, o que não aparece, o que não se explicita, também é necessário discutir sobre o que é inculcado, dia após dia, como a melhor maneira de se viver. Pois é nesse entremeio de coisas ditas, malditas e não ditas, que o sistema segue fabricando o consenso, sempre a favor da classe dominante.

SOCIALISMO COM LIBERDADE E DEMOCRACIA


O filósofo e revolucionário alemão Karl Marx, afirmava que “a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado”. Mas o que significa ditadura do proletariado? Será um regime totalitario e burocratico, como existia na antiga URSS e no Leste Europeu?

A resposta é NÃO! Vejamos o que diz o historiador marxista Jacob Gorender:

"Marx dá novo sentido à palavra ditadura, ao falar em ditadura de classe. Originalmente, o termo ditadura vem da antiga Roma, designando um governo necessariamente provisório, admitido em situações conflitivas, convulsivas, que deveria pôr ordem na vida pública, mas por um prazo determinado, retirando-se em seguida. O termo foi adotado na literatura política, com esta acepção de transitoriedade, até Marx. Para Marx, ditadura de classe será sinônimo de dominação de classe, designando uma situação duradoura.

Por que a classe dominante exerce dominação de maneira discricionária, como uma ditadura? Porque ela faz o que lhe interessa e para isso não há limite real na lei. As leis obedecem aos interesses da classe dominante e se violam também no interesse da classe dominante. Mas a ditadura, por sua vez, pode ser exercida sob diferentes formas políticas. No caso da burguesia, tanto se exerce sob a forma de um regime plenamente discricionário, como através da república democrática, através de governos representativos e que, na linguagem usual, seriam aparentemente o oposto da ditadura.

Em virtude de semelhante ambigüidade, o termo ditadura dá origem a numerosas confusões. O fato de, na linguagem mais usual, nós só o empregarmos como expressivo de governos discricionários, não nos permite compreender que, na terminologia de Marx, ele tem sentido de discricionário para a dominação burguesa geral, não se restringindo à forma que esta assume nos governos autoritários. A ditadura de classe pode se apresentar também sob a forma de governos parlamentares representativos e constitucionais, obedientes à legalidade."

(Jacob Gorender; em Coerção e Consenso)

 

Para Marx, a ditadura do proletariado é uma ditadura de classe, ou seja, é o Estado dirigido pela classe trabalhadora, a sociedade onde o proletariado se torna a classe dominante, estabelecendo a sua "ditadura" sobre a burguesia, e deve se apresentar sob a forma de governo representativo, garantindo a mais ampla liberdade para os trabalhadores.

E mais, essa ditadura do proletariado é temporária, pois eliminada a infra-estrutura e a superestrutura capitalista, com a completa socialização da propriedade dos meios de produção, distribuição e troca, as classes sociais desaparecerão, assim como a divisão do trabalho, tornando desnecessária a existência do Estado, que assim se dissolverá.

Karl Marx e Friedrich Engels nunca defenderam regime de partido único, foi Vladimir Lenin e seus "camaradas" do Partido Bolchevique que reinterpretaram a ditadura do proletariado como ditadura do partido do proletariado, o que originou o regime de partido único após a vitória da Revolução Russa de Outubro de 1917, que serviu de modelo para todas as demais revoluções socialistas. E essa ditadura acabou resultando no totalitarismo stalinista.

Dentro do marxismo clássico - e também em Lenin -, a classe operária é portadora do universal, porque quando se emancipa, está emancipando o conjunto da sociedade. O problema é que Lenin não acredita na capacidade da classe operária para exercer o poder na fase inicial de construção do socialismo. Os trabalhadores, segundo Lenin, "não se desembaraçarão facilmente de seus preconceitos pequeno-burgueses", precisando ser "reeducados sobre a base da ditadura do proletariado". Este poder deveria ser exercido pela vanguarda da classe - já livre da ideologia burguesa -, isto é, pelo partido desta classe. Assim, a fórmula leninista da ditadura do proletariado acaba resultando na ditadura do partido do proletariado, pois os interesses históricos de partido e classe são os mesmos, com a diferença de que o conjunto da classe ainda não descobriu sua "missão histórica", a ser revelada pelo partido.

Neste ponto, é importante frisar, não houve um desvio do stalinismo em relação ao leninismo, mas sim sua continuidade, com todos os agravantes da personalidade autoritária de Stalin.

Mesmo apoiando a Revolução de Outubro, inclusive se solidarizando com os bolcheviques, a revolucionária marxista Rosa Luxemburgo não se deixou levar por uma visão acritica, beata e de sacristia sobre esse processo revolucionário. Rosa criticou esses desvios autoritarios promovidos pelos bolcheviques, no clássico "A Revolução Russa", escrito em 1918, alertando para as suas consequencias.

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa") 

 

Rosa Luxemburgo deixou claro em "A Revolução Russa", que ditadura do proletariado não é a ausência de democracia, muito menos que seja obra de uma minoria agindo em nome da classe trabalhadora.

"A democracia socialista começa com a destruição da dominação de classe e a construção do socialismo. (...) Ela nada mais é que a ditadura do proletariado. Perfeitamente: ditadura! Mas esta ditadura consiste na maneira de aplicar a democracia, não na sua supressão. (...) esta ditadura precisa ser obra da classe e não de uma pequena minoria que dirige em nome da classe".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa") 

 

Segundo o cientista social Michael Löwy, um dos mais importantes teóricos do marxismo na atualidade: "É difícil não reconhecer o alcance profético desta advertência. Alguns anos mais tarde a burocracia apropriou-se da totalidade do poder, excluiu progressivamente os revolucionários de Outubro de 1917 - antes de, no correr dos anos 30, eliminá-los sem piedade." (Michael Löwy; em "Rosa Luxemburgo: um comunismo para o século XXI") 

O regime bolchevique foi pré-totalitario, pois preparou o verdadeiro totalitarismo dos grandes campos de trabalho forçado e do genocidio da era stalinista. Citando o filósofo marxista Ruy Fausto: "Não que eu suponha uma simples continuidade entre bolchevismo e stalinismo. Mas afirmo sim que o totalitarismo stalinista é impensável sem o bolchevismo, e que há linhas reais de continuidade entre os dois". (Ruy Fausto; "Em Torno da Pré-História Intelectual do Totalitarismo Igualitarista")

Portanto não basta ser anti-stalinista, é preciso se opor ao leninismo. A esquerda precisa abandonar a herança autoritária do bolchevismo, resgatando o melhor do pensamento marxista na luta por um socialismo renovado.

Resgatar o melhor do marxismo não significa fazer uma leitura dogmatica do seu pensamento. O capitalismo se democratizou em virtude da luta heróica dos movimentos operários e populares, deixando de ser um mero "comitê executivo" da burguesia. E mais, o filósofo e revolucionário italiano Antonio Gramsci enriqueceu o pensamento marxista ao abordar a questão do consenso, o que permite o abandono das posições autoritárias do bolchevismo e a possibilidade de uma revolução socialista processual e essencialmente pacífica.

O cientista político Carlos Nelson Coutinho, grande nome do marxismo em nosso país, reconhece a necessidade de uma releitura do marxismo, sem o dogmatismo que caracteriza a esquerda socialista. Em entrevista publicada na revista Teoria e Debate nº 51, Coutinho respondeu a seguinte pergunta: "Há algo anacrônico na perspectiva expressa no Manifesto Comunista?" 
 

Carlos Nelson Coutinho: "Há duas coisas: as teorias do Estado e da revolução. A teoria do Estado como simplesmente o comitê executivo da burguesia, que se vale apenas da opressão como recurso de poder; e a idéia da revolução como uma guerra civil oculta que explode violentamente. Em 1848, a maior parte da Europa ainda estava sob o absolutismo; e, onde havia liberalismo, havia voto censitário, ou seja, os parlamentos eram eleitos apenas pelos proprietários. Era então correto dizer que o Estado não passava de um comitê executivo da burguesia. Mas, já na segunda parte do século XIX, começou a se dar uma socialização da política: o sufrágio tornou-se cada vez mais universal, foram criados partidos políticos de massa, os sindicatos puderam se organizar legalmente. No prefácio que escreveu em 1895 para a reedição de ' Luta de Classes na França' de Marx, Engels – no ano de sua morte – já revela ter se dado conta desta socialização da política e, portanto, da necessidade de rever os conceitos que ele e Marx haviam formulado por volta de 1848.

Mas foi Gramsci, em seus 'Cadernos do Cárcere', quem efetivamente elevou a conceito esta nova constelação histórica. Gramsci chama de "sociedade civil" as organizações que resultam desta socialização da política: sindicatos, partidos, associações em geral etc. E, em função disso, reelaborou a teoria marxista do Estado. Gramsci criou uma nova teoria marxista do Estado. Ela é marxista porque continua dizendo que o Estado é, em última instância, ainda que não mais em primeira, um Estado de classe. Mas o modo pelo qual ele hoje é um Estado de classe é diferente. O Estado se tornou um Estado ampliado: é obrigado a levar em conta, enquanto momento da constituição das relações de poder na sociedade, os organismos da sociedade civil. A forma pela qual o Estado opera hoje não é mais só por meio da violência, mas também da persuasão e do consenso."

MARXISMO


Karl Marx fez uma crítica radical ao idealismo hegeliano, na qual afirma que Hegel inverte a relação entre o que é determinante – a realidade material – e o que é determinado – as representações e conceitos acerca dessa realidade. A filosofia idealista seria, assim, uma grande mistificação que pretende entender o mundo real, concreto, como manifestação de uma razão absoluta.

Marx procurou compreender a história real dos seres humanos em sociedade a partir das condições materiais nas quais eles vivem. Essa visão da história foi chamada de materialismo histórico. Para Marx não existe o indivíduo formado fora das relações sociais, como o querem Hegel, Feuerbach, Schopenhauer, Kierkegaard e outros tantos. Para ele “A essência humana é o conjunto das relações sociais”, o que significa que a forma como os indivíduos se comportam, agem, sentem, e pensam vincula-se à forma como se dão as relações sociais. Essas relações sociais, por seu lado, são determinadas pela forma de produção da vida material, ou seja, pela maneira como os seres humanos trabalham e produzem os meios necessários para a sustentação material das sociedades.

Ao falar da produção material da vida, Marx não se refere apenas à produção das inúmeras coisas necessárias à manutenção físicas dos indivíduos, considera o fato de que, ao produzirem todas essas coisas, os seres humanos constroem a si mesmos como indivíduos. Isso ocorre porque, “o modo de produção da vida material condiciona o processo geral de vida social, política e espiritual". Marx reconhece o trabalho como atividade fundamental do ser humano e analisa os fatores que o tornaram uma atividade massacrante e alienada no capitalismo. Marx pretende expor a lógica do modo de produção capitalista, em que a força de trabalho é transformada em uma mercadoria com dupla face: de um lado, é uma mercadoria como outra qualquer, paga pelo salário; de outro, é a única mercadoria que produz valor, ou seja, que reproduz o capital.

Marx também entende o desenvolvimento histórico-social como decorrente das transformações ocorridas no modo de produção. Nessa análise, ele se vale dos princípios da dialética, mas garante que seu “método dialético não só difere do hegeliano, mas é também sua antítese direta”. Na concepção hegeliana, a dialética torna-se instrumento de legitimação da realidade existente. No pensamento de Marx, a dialética leva ao entendimento da possibilidade de negação dessa realidade “porque apreende cada forma existente no fluxo do movimento, portanto também com seu lado transitório”. Ou seja, a dialética em Marx permite compreender a história em seu movimento, em que cada etapa é vista não como algo estático e definitivo, mas como algo transitório, que pode ser transformado pela ação humana. De acordo com Marx, a história é feita pelos seres humanos, que interferem no processo histórico e podem, dessa forma, transformar a realidade social, sobretudo se alterarem seu modo de produção. E isso ocorre através da luta de classes.

PPL NA TV - 2012




Os stalinistas do MR8 - Movimento Revolucionário 8 de Outubro, eram filiados ao PMDB. Afirmando que a Revolução Brasileira não é socialista, mas sim nacional-democrática, pois a contradição principal não seria capital X trabalho, e sim nação X imperialismo, o MR8 defendia uma ampla aliança com a burguesia nacional, tendo no PMDB, a base dessa aliança. Eram aliados do ex-governador de São Paulo, Orestes Quércia, fazendo inclusive o papel de "tropa de choque" do quercismo nas convenções pemedebistas.

Entretanto em 2008, Quércia se aliou aos demo-tucanos. Então, em dezembro de 2008, o MR8 se desfiliou do PMDB, mas manteve sua posição em favor de uma revolução nacional-democrática. Em 21 de abril de 2009, o MR8 se transformou em partido, fundando o PPL - Partido Pátria Livre.

Portanto o PPL, é o sucessor do MR8. Foi legalizado em 2011 e disputará esse ano, sua primeira eleição. Apesar de afirmar defender o socialismo científico, na verdade o PPL defende o nacionalismo pequeno-burguês, idolatrando o getulismo. Afirma que a ditadura do Estado Novo(1937-1945), foi uma "democracia popular".

Assim como o MR8 apoiava o governo Lula, o PPL apoia o governo Dilma. Defendem a frente nacional liderada por PT e PMDB, assim como o ressurgimento do velho nacional-desenvolvimentismo. Com certeza o PPL é a esquerda que a direita populista gosta.

Os stalinistas do PPL - Partido Pátria Livre


Fundado em 21/04/2009, o PPL - Partido Pátria Livre, é o sucessor do MR8 - Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Legalizado em 2011, o PPL afirma defender o socialismo científico, mas na verdade defende o nacionalismo pequeno-burguês, misturando stalinismo com getulismo. Afirma que a ditadura do Estado Novo era uma "democracia popular", e apoia o governo Dilma Roussef, defendendo a aliança de centro-esquerda liderada pela dupla PT-PMDB.

O PPL dirige a CGTB - Central Geral dos Trabalhadores do Brasil.


 O site do partido é http://www.partidopatrialivre.org.br/

JORGE MAUTNER - A BANDEIRA DO MEU PARTIDO



O PCdoB defendia a ditadura totalitaria de Enver Hoxha, na Albânia, como "farol do socialismo". Era o principal representante do stalinismo em nosso país, até que com a queda do chamado "socialismo real", sem assumir posição anti-stalinista, deixou de declarar-se stalinista e se esqueceu da Albânia. O novo "farol do socialismo" passou a ser a China, com seu "socialismo de mercado", na verdade um capitalismo de estado dirigido por um partido comunista. E depois a bandeira vermelha deles é socialista... pode até ser, mas se trata do socialismo autoritário e burocratico, herdeiro da degeneração stalinista. Desse pseudo-socialismo quero distância!

PCdoB 90 anos - Programa 2012



"Não somos stalinistas. Tampouco, somos anti-stalinistas. Avaliamos a figura de Stalin no plano histórico. Ele esteve, juntamente com o Partido Bolchevique, à frente das grandes batalhas pela transformação radical do velho mundo capitalista. Nesses embates, a par dos méritos incontestáveis, mostrou falhas e deficiências, cometeu erros que prejudicaram a causa do proletariado." (João Amazonas; Informe Político do 8º Congresso do PCdoB)

Os comunistas do PCdoB - Partido Comunista do Brasil, falam em democracia e liberdade, mas defendem Stalin. Falam em socialismo, mas apoiaram o governo Lula e apoiam o governo Dilma, aliados da centro-direita corrupta e conservadora, e que não promoveram nenhuma política de caráter social-democrata em dez anos no poder. É possível ter respeito por um partido assim? 


O PCdoB dirige a CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, e a UNE - União Nacional dos Estudantes.

O site do partido é http://www.pcdob.org.br/

PCdoB: 90 anos



No dia 25 de março, o PCdoB - Partido Comunista do Brasil, comemorou 90 anos de luta pelo socialismo e pelos direitos dos trabalhadores. Já fui militante desse partido, durante meus tempos de segundo grau, época que participei do movimento estudantil secundarista. O PCdoB organizou a Guerrilha do Araguaia, nos anos 70, que lutou contra a ditadura militar fascista para estabelecer um regime socialista no país. Justamente por isso, me filiei a esse partido em abril de 1993, uma vez que nos tempos de adolescência, era apaixonado pela resistência armada contra a ditadura. Entretanto, acabei saindo do partido devido a forte influência stalinista ainda existente.

O PCdoB era o principal defensor do stalinismo no Brasil, inclusive afirmava que a bizarra ditadura de Enver Hoxha, na Albânia, era o "farol do socialismo".

Com a queda da ditadura albanesa e o fim da URSS, em 1991, o PCdoB realizou o seu 8º Congresso Nacional em 1992, onde sem assumir posição anti-stalinista, deixou de se declarar stalinista.

"Não somos stalinistas. Tampouco, somos anti-stalinistas. Avaliamos a figura de Stalin no plano histórico. Ele esteve, juntamente com o Partido Bolchevique, à frente das grandes batalhas pela transformação radical do velho mundo capitalista. Nesses embates, a par dos méritos incontestáveis, mostrou falhas e deficiências, cometeu erros que prejudicaram a causa do proletariado." (João Amazonas; Informe Político do 8º Congresso do PCdoB) 

Sempre fui anti-stalinista, e a recusa do partido em condenar Stalin, limitando-se a reconhecer que esse tirano assassino cometeu "erros", me levaram a sair em janeiro de 1995. E nesse mesmo ano de 1995, o PCdoB aprovou um novo programa, onde adotou o "socialismo de mercado". Desde então, assumiu uma postura pragmatica. Tornou-se o principal aliado do PT, apoiando incondicionalmente o governo Lula, chegando inclusive a defender os senadores Renan Calheiros e José Sarney, afirmando que os ataques contra eles partiam da "direita golpista" para atingir o presidente Lula. E agora no governo Dilma, o PCdoB se viu envolvido em corrupção na pasta dos esportes.

Por isso, apesar de reconhecer seu importante papel na resistência contra a ditadura militar fascista, assim como seu pioneirismo na defesa do socialismo em nosso país, não tenho muito respeito pelos "stalinistas enrustidos" do PCdoB. Com uma esquerda assim, a direita faz a festa.

Os comunistas do PCdoB



Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB - Partido Comunista do Brasil, está convicto de que a queda do Muro de Berlim, em 1989, não representou o fim do marxismo-leninismo. Em entrevista a Veja, no ano de 2010, afirmou: "Quando a União Soviética desabou, houve quem achasse que o socialismo tinha morrido. Que nada! Só alguém sem visão histórica nenhuma pode pensar assim". Para Rabelo, a aventura socialista mal começou: "O capitalismo levou 300 anos para superar o feudalismo. O marxismo tem pouco mais de 100 anos de existência. Ou seja, podemos precisar de mais 200 anos para tornar o mundo comunista".

O mais engraçado é que apesar desse discurso, o PCdoB tem buscado esconder cada vez mais a foice e o martelo. Nas eleições municipais de 2008, a candidata a prefeita do Rio, Jandira Feghali, sequer falou em socialismo durante a campanha eleitoral, e depois foi secretária de cultura na administração Eduardo Paes, do PMDB. E pior, desde quando o vereador paulistano Netinho de Paula, pode ser considerado um autêntico revolucionário marxista? Ele inclusive chegou a dizer que "o partido não pretende mais estabelecer um 'comunismo ao estilo soviético', mas sim um 'comunismo ao estilo do presidente Lula'". Depois de uma besteira dessas, não consigo mais levar esse partido a sério.

Se os comunistas do pequeno PCB estão seguindo uma política sectária, os comunistas do PCdoB fazem o oposto. O PCdoB faz alianças sem qualquer sentido ideológico, tanto que fazem alianças com o PP, PSD, PR, PTB, e pior, até mesmo com PSDB e DEM, que são opositores do governo Dilma, que o PCdoB apoia com entusiasmo.

Se não bastasse isso, apesar do sucesso inegável do chamado "socialismo de mercado" chinês, é cada vez mais claro que a China está caminhando não em direção a um socialismo renovado, mas sim ao capitalismo de Estado, pois é cada vez maior a presença do conceito capitalista de enriquecimento e acumulação da riqueza na sociedade chinesa. E o PCdoB defende a China como exemplo a ser seguido, inclusive defende o "socialismo de mercado" adaptado as características brasileiras.

O PCdoB é o principal aliado dos petistas, apoia os governos Dilma e Cabral. Com uma esquerda assim, a direita faz a festa.

domingo, 22 de abril de 2012

PSOL - Um partido necessário



Democracia real só no socialismo. PSOL, um partido necessário!

GRANDEZAS E LIMITES DO MANIFESTO COMUNISTA


GRANDEZAS E LIMITES DO MANIFESTO COMUNISTA
Carlos Nelson Coutinho*

A extraordinária eficácia do Manifesto resulta da justeza essencial com que conceitua o impacto da emergência do capitalismo. Seus limites no entanto são históricos e dizem respeito basicamente à teoria política que fundou.

O Manifesto do Partido Comunista é, certamente, o texto mais conhecido e lido de Marx e Engels. Escrito em final de 1847 e publicado no início de 1848, ele foi provavelmente redigido apenas por Marx, que se utilizou para isso de um esboço preliminar elaborado por Engels, intitulado Princípios do comunismo. O texto lhes fôra encomendado pela Liga dos Comunistas (antes chamada de Liga dos Justos), um pequeno agrupamento de exilados alemães com sede em Londres. Quando Marx e Engels morreram, respectivamente em 1883 e em 1895, o Manifesto não só já conhecera inúmeras edições em alemão (a língua em que fôra escrito), mas também havia sido traduzido em vários outros idiomas. Essas reedições e traduções quase sempre traziam novos prefácios dos autores (sobretudo de Engels, que viveu 12 anos mais do que Marx), em muitos dos quais - sobretudo nos mais tardios - já se esboçavam autocríticas quanto a algumas de suas afirmações.

No momento em que o Manifesto foi escrito, Marx e Engels já tinham elaborado as linhas essenciais de sua ontologia do ser social (à qual deram o nome de "materialismo histórico"), cujas primeiras expressões sistemáticas se encontram em A ideologia alemã e nas Teses sobre Feuerbach (de 1845), bem como na Miséria da filosofia (de 1847). Em relação a esses textos fundadores, o Manifesto introduz, porém, uma significativa novidade: é nele que, pela primeira vez, Marx e Engels expressam de modo sistemático os fundamentos essenciais de sua teoria política, ou, mais precisamente, da teoria histórico-materialista do Estado e da revolução. Quem leu o Manifesto sabe que não é correto dizer - como, entre outros, Norberto Bobbio o fez nos anos 70 - que não existe em Marx uma teoria política.

A extraordinária eficácia do Manifesto - um dos textos teórico-políticos certamente mais influentes em toda a história - resulta, para além dos seus inegáveis méritos literários, da justeza essencial das grandes linhas com que conceitua o impacto que a emergência e a consolidação do capitalismo provocaram na evolução da humanidade. O que hoje conhecemos como "modernidade" tem suas principais determinações registradas nos dois primeiros capítulos do Manifesto, sugestivamente intitulados "Burgueses e proletários" e "Proletários e comunistas". Todos os traços que, pelo menos desde os iluministas, vinham sendo apontados como distintivos da era moderna (em contraposição à Antigüidade clássica e ao mundo feudal) encontram no Manifesto uma exemplar síntese histórico-dialética, à qual nem mesmo os mais ferrenhos adversários do marxismo têm recusado - quando dispõem de um mínimo de isenção - o qualificativo de "genial".

Surpreende no texto do Manifesto, escrito há 150 anos, a atualidade com que, por exemplo, seus autores descrevem os fundamentos do modo de produção e da formação econômico-social capitalistas, sob cujo domínio continuamos a viver ainda hoje. Embora sejam críticos radicais do capitalismo, Marx e Engels não são românticos: têm clara consciência não só da irreversibilidade, mas também do caráter liberador e revolucionário das novas formas de sociabilidade que o capitalismo vinha introduzindo - e, de certo modo, continuou a introduzir - no modo de relacionamento e de interação entre os homens. Um famoso livro de Marshall Berman tornou ainda mais conhecida a expressão "tudo o que é sólido desmancha no ar", com a qual o Manifesto busca resumir o sentido das transformações que o capitalismo introduzia no mundo, gerando - com sua carga fortemente emancipatória, mas também com suas dilaceradoras contradições e impasses - o que hoje conhecemos como "modernidade".

Entre as novidades trazidas pelo capitalismo, e não em último lugar, Marx e Engels registram o fenômeno que hoje recebe o nome de "globalização": "Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias - lê-se no Manifesto -, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isso se refere tanto à produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornam-se propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e locais nasce uma literatura universal". É dessa globalização do capital que Marx e Engels retiram a justa percepção de que os opositores do capitalismo - os trabalhadores - devem também se organizar em nível internacional.

Ao mesmo tempo em que descreve premonitoriamente características que o capitalismo só viria a manifestar plenamente nos dias de hoje, o Manifesto também é atualíssimo ao apontar as contradições que essa formação econômico-social (e cultural) traz consigo. "O sistema burguês - observam Marx e Engels - tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. De que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande parte das forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las". O diagnóstico é, também ele, atualíssimo: "As armas que a burguesia utilizou para abater o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia". Ou seja: as promessas de emancipação humana trazidas pela modernidade capitalista (entre as quais as promessas de democratização e de universalização da cidadania) exigem, para sua plena realização, a superação do próprio capitalismo.

E o Manifesto é também de grande atualidade quando indica os sujeitos capazes de encaminhar essa superação: "A burguesia, porém, não forjou somente as armas que lhe darão morte; produziu também os homens que manejarão essas armas - os operários modernos, os proletários". É no mundo do trabalho, no mundo dos que geram as riquezas que o capital expropria, que se gestam as principais forças objetiva e subjetivamente interessadas na construção de uma nova ordem social, que Marx e Engels concebem como capaz de recolher os momentos emancipatórios trazidos pela modernidade capitalista mas, ao mesmo tempo, de superar suas contradições e impasses. Escrevendo em 1848, nossos dois autores não podiam prever a grande diversificação que iria envolver, nos 150 anos subseqüentes, o universo dos que vivem do trabalho e, por conseguinte, dos que geram mais-valia para o capital. Por isso, ainda identificavam sumariamente os trabalhadores com a classe operária fabril, uma identificação que já não se sustenta hoje. Contudo, ao mostrar que é no mundo dos que trabalham - e que são explorados pelo capital - que se gesta o portador material da superação do capitalismo, o Manifesto demonstra mais uma vez a sua atualidade, a sua sintonia com o presente.

Malgrado isso, é preciso dizer claramente que quem quer ser marxista hoje não pode repetir mecanicamente o que é dito no Manifesto. Lukács observou, já em 1923, que a ortodoxia marxista se refere exclusivamente ao método, o que implicaria, segundo ele, a possibilidade (ou mesmo a necessidade) de se deixar de lado, ou mesmo de se recusar, muitas das afirmações concretas de Marx e Engels. Essa relativização significa que, ao lado de sua extraordinária grandeza e de sua surpreendente atualidade, o Manifesto também apresenta limites.

Tais limites decorrem, antes de mais nada, do fato de que Marx e Engels adotaram metodologicamente, nesse texto, um ponto de vista abstrato: eles se concentraram nos traços mais gerais do modo de produção capitalista, sem analisar suas manifestações concretas em diferentes formações econômico-sociais. Tal ponto de vista, ao mesmo tempo em que lhes permitiu a captação das determinações essenciais do capitalismo, possibilitou-lhes ainda emprestar ao Manifesto aquela dimensão de época que faz a sua grandeza e que talvez seja a razão maior de sua permanente eficácia. Mas também lhes impediu de levar em conta mediações concretas que tornariam mais ricas, como irá ocorrer em textos posteriores, as suas análises. (Nesse sentido, bastaria comparar o relativo esquematismo da definição do Estado no Manifesto com a riqueza concreta da análise do fenômeno político no 18 Brumário, escrito por Marx apenas três anos depois.) Contudo, os limites da obra clássica de 1848 são, sobretudo, limites históricos: escrevendo em 1848, Marx e Engels não podiam elevar a conceito inúmeras determinações que o desenvolvimento histórico sucessivo introduziria no ser social, alterando assim os termos com que eles definem, no Manifesto, alguns complexos problemáticos tão significativos - para a teoria política que fundaram - como a luta de classes, o Estado e a revolução.

Depois de afirmar que "a época da burguesia caracterizou-se por ter simplificado os antagonismos de classe" (uma afirmação que é relativizada no 18 Brumário e em outros textos posteriores), Marx e Engels afirmam no Manifesto: "O poder político do Estado moderno não é mais do que um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia. [...] O poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra". Essa enfática afirmação de que o poder do Estado capitalista se impõe essencialmente pela coerção (ou "opressão") resulta da constatação de que a sociedade burguesa, ao contrário das anteriores sociedades de classe, é incapaz de "exercer o seu domínio porque não pode assegurar a existência do seu escravo", isto é, do trabalhador assalariado. A lei do movimento do capital, segundo os autores do Manifesto, conduziria o proletariado à pauperização absoluta. Isso, ao mesmo tempo que imporia ao Estado burguês a necessidade de uma coerção permanente sobre os trabalhadores, levaria a luta de classes a assumir a forma da guerra civil: "Esboçando em linhas gerais as fases de desenvolvimento do proletariado - diz ainda o Manifesto -, descrevemos a história da guerra civil, mais ou menos oculta, que lavra na sociedade atual, e que durará até a hora em que essa guerra explodir numa revolução aberta e o proletariado estabelecer sua dominação pela derrubada violenta da burguesia".

Expressa-se assim, no Manifesto, uma teoria política centrada essencialmente em três pontos: 1) numa noção "restrita" do Estado, segundo a qual esse seria o "comitê executivo" da classe dominante, que se vale essencialmente da coerção (ou da "opressão") para cumprir suas funções; 2) numa concepção da luta de classes como conflito bipolar e "simplificado" entre burgueses e proletários, que se expressa como "uma guerra civil mais ou menos oculta", que levará necessariamente a uma "explosão"; 3) numa visão da revolução socialista como "revolução permanente", que tem seu momento resolutivo na constituição de um contrapoder da classe operária, que deve "derrubar violentamente" o poder burguês e substituí-lo por um outro poder (que, pouco tempo depois do Manifesto, Marx chamará - recolhendo um termo de Auguste Blanqui - de "ditadura do proletariado").

Um marxista que compreenda a "ortodoxia" não como uma reverência fetichista aos textos, mas como o empenho em ser metodologicamente fiel ao movimento histórico-dinâmico do real, não pode repetir essas definições como sendo plenamente válidas hoje. Novos fenômenos surgiram, sobretudo a partir do último terço do século XIX, os quais - ao introduzir novas determinações no ser social do capitalismo - tornaram obsoletas muitas das características presentes em tais definições.

Por um lado, a progressiva passagem da exploração do trabalho através da mais-valia absoluta (da redução do salário e do aumento da jornada de trabalho) para a exploração através da mais-valia relativa (do aumento da produtividade) - uma passagem amplamente teorizada por Marx no Livro 1 de O Capital, publicado em 1867 - alterou as condições em que se trava a luta de classes: ela não mais ocorre num quadro em que a acumulação do capital leva necessariamente ao empobrecimento absoluto do trabalhador, mas torna possível um aumento simultâneo de salários e lucros; com isso, a luta de classes pode assumir formas mais institucionalizadas, que não podem ser equiparadas a uma "guerra civil". E, por outro lado, em estreita correlação com essa alteração infra-estrutural, ocorreu uma crescente "socialização da política" (conquista do sufrágio universal, criação de sindicatos e partidos operários de massa), a qual forçou o Estado capitalista a se abrir para outros interesses que não os da classe dominante, com o que - sem deixar de ser um Estado de classe - ele não mais pode ser definido como um mero "comitê executivo" da burguesia. Ao lado da coerção, gestaram-se também mecanismos de tipo consensual. Tudo isso, finalmente, motivou uma nova concepção da revolução socialista: essa pode agora ser imaginada não mais sob a forma de uma "explosão violenta" concentrada num curto lapso de tempo, como ainda o faz o Manifesto, mas sim de um movimento processual, de longa duração, que opera nos espaços progressivamente abertos pelas instituições liberal-democráticas (as quais, de resto, resultam em grande parte das lutas dos trabalhadores).

Embora indicações no sentido de revisar a teoria para adequá-la a esse novo contexto histórico já estejam presentes nos próprios Marx e Engels depois do Manifesto (como se pode ver, entre outros escritos, nos prefácios mais tardios de ambos às reedições e traduções do texto de 1848), o fato é que uma nova teoria marxista do Estado e da revolução só viria à luz, de modo sistemático, nos célebres Cadernos do cárcere de Antonio Gramsci. Com base numa correta visão historicista do método de Marx, Gramsci percebeu a essência dos limites históricos dos seus mestres (e, em conseqüência, do Manifesto). Numa nota em que fala da teoria do Estado em Hegel, diz Gramsci: "Sua concepção [de Hegel] da associação só pode ser ainda vaga e primitiva, situada entre o político e o econômico, de acordo com a experiência da época, que era ainda restrita e fornecia um único exemplo completo de organização, a organização "corporativa"[...] Marx não podia ter experiências históricas superiores às de Hegel (pelo menos muito superiores), mas tinha o sentido das massas, graças à sua atividade jornalística e de agitação. O conceito de organização em Marx permanece ainda preso aos seguintes elementos: organizações profissionais, clubes jacobinos, conspirações secretas de pequenos grupos [como a Liga dos Comunistas], organização jornalística".

Assim, ao mesmo tempo que indica os limites históricos de Marx e Engels, Gramsci recolhe o essencial do ensinamento deles: o autor dos Cadernos não abandona as teorias de Estado e revolução socialista elaboradas por esses autores, inclusive no Manifesto, mas as enriquece com novas determinações, recolhidas do movimento histórico que ele teve a possibilidade de vivenciar. A revisão do marxismo empreendida por Gramsci - que coloca as idéias de Marx e Engels em plena sintonia com o nosso tempo - nos ensina uma lição: reler o Manifesto, de um ponto de vista marxista, significa relê-lo de modo crítico, relativizá-lo, situá-lo historicamente.

Essa necessária relativização histórica, contudo, não nos deve fazer esquecer que poucos textos resistiram ao tempo tanto quanto o Manifesto do Partido Comunista. É surpreendente sua atualidade, sua capacidade de nos falar - e de nos ensinar - sobre o nosso mundo de hoje. Além dos traços do capitalismo que já mencionamos antes, é também extremamente atual, por exemplo, a concepção de comunismo que o Manifesto nos sugere: a de uma organização social na qual "o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos". É uma frase densa de significado, que fornece aos marxistas de hoje, ao mesmo tempo, critérios para avaliar as razões do fracasso do "socialismo real", para recordar a necessidade de recolher o que de melhor existe na tradição liberal e democrática e, sobretudo, para sugerir um dos traços essenciais do comunismo, que continua sendo - e talvez hoje mais do que nunca - a única alternativa racional e sensata à crescente barbárie capitalista.

* Carlos Nelson Coutinho é professor titular de Teoria Política na UFRJ