"Ser marxista é, antes de mais nada, ser anticapitalista, ou seja, lutar pela construção de uma sociedade sem classes, que suprima a exploração do homem pelo homem e a propriedade privada dos grandes meios de produção, criando condições para que as relações entre os homens sejam fundadas na solidariedade e não no egoísmo do mercado. Claro, ser marxista não é repetir acriticamente tudo o que Marx disse. Marx morreu há cerca de 120 anos e muita coisa ocorreu desde então. Mas, sem o método que ele nos legou, é impossível compreender o que ocorre no mundo. Ele nos disse que o capital estava criando um mercado mundial, fonte de crises e iniqüidades, e nunca isso foi tão verdadeiro quanto no capitalismo globalizado de hoje. Falou também em fetichismo da mercadoria, na conversão do mercado num ente fantasmagórico que oculta as relações humanas, e nunca isso se manifestou tão intensamente quanto em nossos dias, quando lemos na imprensa barbaridades do tipo 'o mercado ficou nervoso'." (Carlos Nelson Coutinho)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Direitos Humanos e socialismo: sonhos e o mercado (IV parte)

Direitos Humanos e socialismo: sonhos e o mercado (IV parte)

Jung Mo Sung é diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo.
 
 
No artigo anterior, defendi a tese de que o projeto de uma sociedade pós-capitalista não deve ser pensado em termos de estatização de toda economia –como foi o modelo soviético–, mas deve ser um "sistema social que coloca no seu centro os direitos sociais de todos os indivíduos. Por isso, um sistema que se reconhece relativo e subordinando à realização dos direitos humanos, um sistema que está em permanente processo de revisão, crítica e reformulação”. Assim, o "socialismo” não seria mais identificado a um modelo institucional de organização do Estado e da economia –como foi por ex, o da estatização completa no modelo soviético–, mas sim com um projeto de sociedade fundando em uma tensão entre o critério último da busca da realização de direitos sociais e humanos de todos os indivíduos e o "desenho” concreto de sociedade sem uma definição a priori.

É claro que essa ideia geral, por mais importante que seja, não é suficiente para guiar lutas sociais e políticas concretas. Pois, sem a visão de um "modelo de sociedade”, não há como pensar a direção e os passos da caminhada. E é essa mesma visão que possibilita dar maior concretude a horizonte de esperança que alimenta as comunidades e grupos em luta.

De um modo bem simplificado, podemos dizer que há duas maneiras fundamentais de se pensar ou criar esse projeto de sociedade alternativa. A primeira é a de "desenhar” esse projeto a partir de alguns valores, crenças e ideias sobre o que seria o ideal. Por ex, há grupos que pregam que estamos indo, ou que devemos ir, em direção a uma grande harmonia cósmica entre seres humanos e a natureza/cosmos; outros que defendem uma sociedade sem exploração econômica, por isso, sem propriedade privada e mercado.

A partir desse projeto, olham à realidade para criticar –tanto a situação quanto aos grupos que estão lutando– e propor caminhos de superação da situação. Mas, como o "desenho” do projeto é muito genérico, abstrato, fica muito difícil saber qual o caminho concreto construir. E quando perguntados sobre a viabilidade desses projetos históricos grandiosos, as respostas costumam ser evasivas ou se introduz noções "estranhas” à política como: "a histórica caminha para...” ou "a evolução está nos conduzindo o cosmos e a humanidade à plenitude...”. Noções essas (o espírito que move a história, evolução cósmica, etc.) que parecem substituir ou são usadas como sinônimos da ideia teológica de que Deus conduz a história ao destino pré-estabelecido por ele.

Esse tipo de argumentação seduz porque, com a noção de que há uma força sobre-humana nos conduzindo à plenitude e superação de todas as injustiças, cria esperança no futuro e compensa em parte a sensação de impotência diante da dominação capitalista global. O problema é que, se essa força conduz necessariamente a história e o cosmos a um destino, as nossas ações são desnecessárias. Pior, as injustiças do passado e do presente também foram partes dessa condução, portanto, não eram de fato injustiças.

Além disso, esses discursos grandiosos não nos dão pistas de ação, a não ser pregar essa nova consciência, e nos levam muitas vezes a criticar e opor a ações concretas possíveis que estão sendo feitas porque essas não levariam a essa plenitude.

Outro modo de pensar a sociedade alternativa é a partir das contradições da realidade em que vivemos. Vivemos em uma economia capitalista globalizada, sob a hegemonia do capital financeiro e dos grandes conglomerados, que é apresentado pelos ideólogos do sistema como não havendo alternativa a ela e que todas alternativas propostas não passariam de sonhos irrealizáveis. Além disso, bilhões de pessoas mais pobres desejam entrar no sistema, realizar o sonho de consumo, e não lutar por outra sociedade.

Diante dessa realidade, não basta "desenharmos” uma nova sociedade como se tivéssemos um papel branco à nossa frente. Precisamos de ima imaginação utópica de um mundo mais humano e justo que nos possibilita ver as contradições e injustiças desse mundo, mas o novo desenho precisa ser feito a partir do mundo atual. Deduzir diretamente dessa imaginação um projeto de sociedade pode nos levar ao idealismo romântico e/ou a equívocos estratégicos terríveis.

A economia está globalizada, formando uma divisão social de trabalho em escala mundial. E não será possível modificar isso num futuro próximo, a não ser que passemos por uma catástrofe em escala mundial. O tamanho da escala e de complexidade da economia global exige, para seu funcionamento, relações de troca, isto é, relações mercantis e mercado em escala global. O que significa dizer que não é possível defender os direitos humanos, começando pelo direito de viver, de todas as pessoas propondo uma nova economia baseada somente em pequenas empresas ou uma sem mercado.

Ao mesmo tempo em que reconhecemos a necessidade hoje do mercado global, também sabemos que esse mercado tende à concentração de riqueza, exclusão dos mais pobres e deterioração do meio ambiente. O caminho da solução não consiste em "fugir” para imaginação de um mundo sem essa contradição, mas em enfrentá-la.

Nenhum comentário:

Postar um comentário