Os limites do lulismo
Vladimir Safatle - 19/04/2012 |
Há alguns anos, o cientista político André Singer cunhou o termo “lulismo”
para dar conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o
início do século 21.
Baseado em uma dinâmica de aumento do poder aquisitivo das camadas mais
baixas da população por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de
transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o lulismo
conseguiu criar o fenômeno da “nova classe média”.
No plano político, esse aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide
social foi realizado apoiando-se na constituição de grandes alianças
ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os
dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da
população.
O resultado foi uma política de baixa capacidade de reforma estrutural e de
perpetuação dos impasses políticos do presidencialismo de coalizão
brasileiro.
No entanto é bem possível que estejamos no momento de compreensão dos
limites do modelo gestado no governo anterior. O aumento exponencial do
endividamento das famílias demonstra como elas, atualmente, não têm renda
suficiente para dar conta das novas exigências que a ascensão social coloca na
mesa.
É fato que o país precisa de uma nova repactuação salarial. As remunerações
são, em média, radicalmente baixas e corroídas por gastos que poderiam ser
bancados pelo Estado. Por isso, é possível dizer que a próxima etapa do
desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos salários.
A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma
família que recebe R$ 3.500 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só
com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa
qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de
renda que isenção alguma de imposto seria capaz de proporcionar.
Entretanto a universalização de uma escola pública de qualidade e de um
serviço de saúde que realmente funcione não pode ser feita sob a dinâmica do
lulismo, pois ela exige investimentos estatais só possíveis pela taxação pesada
sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou seja, isso exige um
aumento de impostos sobre aqueles que vivem de maneira nababesca e que têm
lucros milionários no sistema financeiro.
Algo dessa natureza exige, por sua vez, uma mobilização política que está
fora do quadro de consensos do lulismo. Porém a força política que poderia
pressionar essa nova dinâmica ainda não existe no Brasil. Ela pede uma esquerda
que não tenha medo de dizer seu nome.
Vladimir Safatle é professor de filosofia da USP
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