Em entrevista publicada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 19/02/2006, o
reporter pergunta ao historiador marxista Jacob Gorender: Hoje, como o
senhor define Stalin?
Gorender responde: "Um criminoso.
E o que ele escreveu pode-se colocar no lixo."
Infelizmente
essa não é a posição do PCdoB, que até hoje insiste em defender Stalin,
limitando-se a reconhecer que ele cometeu "erros". Mas não basta ser
anti-stalinista, é preciso ser contra o próprio leninismo, uma vez que o modelo
autoritario desenvolvido por Lenin e demais revolucionários russos foi
responsável pelo surgimento do stalinismo. Por isso é preciso uma refundação da
esquerda socialista, para que livre da herança bolchevique, se possa realmente
defender o socialismo democrático.
Voltando a essa entrevista com o
historiador marxista Jacob Gorender. As perguntas se basearam principalmente
sobre o XX Congresso do Partido Comunista da URSS, onde Nikita Kruschev
denunciou os crimes de Stalin. Mas também teve perguntas sobre a questão do
marxismo nos dias atuais, e é isso que nos
interessa.
Pergunta: O senhor já disse que o
problema de O Capital, de Karl Marx, é ser uma obra feita só de certezas. Uma
obra sem direito a dúvidas...
Jacob Gorender:
"Marx era um determinista utópico. Queria algo que a realidade não
confirmou. Previu que, com o avanço das forças produtivas, a humanidade gozaria
de fartura plena. A produtividade não teria limites. Não é verdade. Apesar dos
avanços tecnológicos, há o limite ecológico para a produtividade. Não se pode
crescer a ponto de deteriorar o ambiente em que o homem vive. Isso Marx não
pensou. Outra previsão equivocada foi a do desaparecimento do Estado. Como não
haveria mais classes sociais na evolução marxista, então o Estado seria
desnecessário. Haveria uma espécie de autogoverno das comunidades. Impossível.
As sociedades necessitam do Estado, até porque há prioridades a definir. Que
meios de transportes usar? Qual a produção industrial? Serviços de saúde,
educação, quem vai decidir sobre isso? Só pode ser o Estado, democrático e de
direito."
Pergunta: Marx apostou todas as
fichas da inevitabilidade do processo?
Jacob
Gorender: "Sim, era um fatalista. Não levou em conta que a história
humana é cheia de incertezas, de viradas, não pode ser totalmente previsível. O
sistema só funciona de maneira previsível enquanto sistema. Quando as coisas
começam a falhar, há desobediência, sublevações, corrupção, e o sistema não
funciona. E tudo é tão imprevisível. Elementos da teoria da relatividade de
Einstein, a psicanálise de Freud e a Teoria do Caos deveriam ter sido
incorporados pelo pensamento marxista."
Pergunta:
O senhor lutou por ilusões?
Jacob Gorender:
"Em parte. Porque a luta que travei, com tantas outras pessoas que sofreram
até mais do que eu, permitiu ao capitalismo se tornar mais flexível, mais
democrático, menos opressivo. Obrigou-o a concessões. Fez com que ele deixasse
de ser tão selvagem para se humanizar. Antes não havia legislação trabalhista, o
operário ganhava uma miséria, não havia férias remuneradas e todos esses
direitos conquistados ao longo do tempo. A nossa luta também contribuiu para que
um número maior de pessoas estudasse. Cometemos erros, experimentamos
sacrifícios, mas não foi em vão. O mundo de hoje é cheio de defeitos. Mas, sem
os marxistas, seria pior."
A esquerda precisa fazer essa
autocritica que Jacob Gorender e outros marxistas fizeram, assumindo a defesa de
um socialismo radicalmente democrático, sem qualquer vinculo com a herança
bolchevique. Um socialismo não dogmatico, que faça inclusive a revisão do
próprio marxismo, atualizando o socialismo para a realidade do século XXI.
"Ser marxista é, antes de mais nada, ser anticapitalista, ou seja, lutar pela construção de uma sociedade sem classes, que suprima a exploração do homem pelo homem e a propriedade privada dos grandes meios de produção, criando condições para que as relações entre os homens sejam fundadas na solidariedade e não no egoísmo do mercado. Claro, ser marxista não é repetir acriticamente tudo o que Marx disse. Marx morreu há cerca de 120 anos e muita coisa ocorreu desde então. Mas, sem o método que ele nos legou, é impossível compreender o que ocorre no mundo. Ele nos disse que o capital estava criando um mercado mundial, fonte de crises e iniqüidades, e nunca isso foi tão verdadeiro quanto no capitalismo globalizado de hoje. Falou também em fetichismo da mercadoria, na conversão do mercado num ente fantasmagórico que oculta as relações humanas, e nunca isso se manifestou tão intensamente quanto em nossos dias, quando lemos na imprensa barbaridades do tipo 'o mercado ficou nervoso'." (Carlos Nelson Coutinho)
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