"Ser marxista é, antes de mais nada, ser anticapitalista, ou seja, lutar pela construção de uma sociedade sem classes, que suprima a exploração do homem pelo homem e a propriedade privada dos grandes meios de produção, criando condições para que as relações entre os homens sejam fundadas na solidariedade e não no egoísmo do mercado. Claro, ser marxista não é repetir acriticamente tudo o que Marx disse. Marx morreu há cerca de 120 anos e muita coisa ocorreu desde então. Mas, sem o método que ele nos legou, é impossível compreender o que ocorre no mundo. Ele nos disse que o capital estava criando um mercado mundial, fonte de crises e iniqüidades, e nunca isso foi tão verdadeiro quanto no capitalismo globalizado de hoje. Falou também em fetichismo da mercadoria, na conversão do mercado num ente fantasmagórico que oculta as relações humanas, e nunca isso se manifestou tão intensamente quanto em nossos dias, quando lemos na imprensa barbaridades do tipo 'o mercado ficou nervoso'." (Carlos Nelson Coutinho)

sábado, 30 de junho de 2012

Entrevista com Jacob Gorender

Em entrevista publicada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 19/02/2006, o reporter pergunta ao historiador marxista Jacob Gorender: Hoje, como o senhor define Stalin?

Gorender responde: "Um criminoso. E o que ele escreveu pode-se colocar no lixo."

Infelizmente essa não é a posição do PCdoB, que até hoje insiste em defender Stalin, limitando-se a reconhecer que ele cometeu "erros". Mas não basta ser anti-stalinista, é preciso ser contra o próprio leninismo, uma vez que o modelo autoritario desenvolvido por Lenin e demais revolucionários russos foi responsável pelo surgimento do stalinismo. Por isso é preciso uma refundação da esquerda socialista, para que livre da herança bolchevique, se possa realmente defender o socialismo democrático.

Voltando a essa entrevista com o historiador marxista Jacob Gorender. As perguntas se basearam principalmente sobre o XX Congresso do Partido Comunista da URSS, onde Nikita Kruschev denunciou os crimes de Stalin. Mas também teve perguntas sobre a questão do marxismo nos dias atuais, e é isso que nos interessa.

Pergunta: O senhor já disse que o problema de O Capital, de Karl Marx, é ser uma obra feita só de certezas. Uma obra sem direito a dúvidas...

Jacob Gorender: "Marx era um determinista utópico. Queria algo que a realidade não confirmou. Previu que, com o avanço das forças produtivas, a humanidade gozaria de fartura plena. A produtividade não teria limites. Não é verdade. Apesar dos avanços tecnológicos, há o limite ecológico para a produtividade. Não se pode crescer a ponto de deteriorar o ambiente em que o homem vive. Isso Marx não pensou. Outra previsão equivocada foi a do desaparecimento do Estado. Como não haveria mais classes sociais na evolução marxista, então o Estado seria desnecessário. Haveria uma espécie de autogoverno das comunidades. Impossível. As sociedades necessitam do Estado, até porque há prioridades a definir. Que meios de transportes usar? Qual a produção industrial? Serviços de saúde, educação, quem vai decidir sobre isso? Só pode ser o Estado, democrático e de direito."

Pergunta: Marx apostou todas as fichas da inevitabilidade do processo?

Jacob Gorender: "Sim, era um fatalista. Não levou em conta que a história humana é cheia de incertezas, de viradas, não pode ser totalmente previsível. O sistema só funciona de maneira previsível enquanto sistema. Quando as coisas começam a falhar, há desobediência, sublevações, corrupção, e o sistema não funciona. E tudo é tão imprevisível. Elementos da teoria da relatividade de Einstein, a psicanálise de Freud e a Teoria do Caos deveriam ter sido incorporados pelo pensamento marxista."

Pergunta: O senhor lutou por ilusões?

Jacob Gorender: "Em parte. Porque a luta que travei, com tantas outras pessoas que sofreram até mais do que eu, permitiu ao capitalismo se tornar mais flexível, mais democrático, menos opressivo. Obrigou-o a concessões. Fez com que ele deixasse de ser tão selvagem para se humanizar. Antes não havia legislação trabalhista, o operário ganhava uma miséria, não havia férias remuneradas e todos esses direitos conquistados ao longo do tempo. A nossa luta também contribuiu para que um número maior de pessoas estudasse. Cometemos erros, experimentamos sacrifícios, mas não foi em vão. O mundo de hoje é cheio de defeitos. Mas, sem os marxistas, seria pior."

A esquerda precisa fazer essa autocritica que Jacob Gorender e outros marxistas fizeram, assumindo a defesa de um socialismo radicalmente democrático, sem qualquer vinculo com a herança bolchevique. Um socialismo não dogmatico, que faça inclusive a revisão do próprio marxismo, atualizando o socialismo para a realidade do século XXI.

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