"Ser marxista é, antes de mais nada, ser anticapitalista, ou seja, lutar pela construção de uma sociedade sem classes, que suprima a exploração do homem pelo homem e a propriedade privada dos grandes meios de produção, criando condições para que as relações entre os homens sejam fundadas na solidariedade e não no egoísmo do mercado. Claro, ser marxista não é repetir acriticamente tudo o que Marx disse. Marx morreu há cerca de 120 anos e muita coisa ocorreu desde então. Mas, sem o método que ele nos legou, é impossível compreender o que ocorre no mundo. Ele nos disse que o capital estava criando um mercado mundial, fonte de crises e iniqüidades, e nunca isso foi tão verdadeiro quanto no capitalismo globalizado de hoje. Falou também em fetichismo da mercadoria, na conversão do mercado num ente fantasmagórico que oculta as relações humanas, e nunca isso se manifestou tão intensamente quanto em nossos dias, quando lemos na imprensa barbaridades do tipo 'o mercado ficou nervoso'." (Carlos Nelson Coutinho)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O 1ᵒ turno na França, suas possibilidades, e a ameaça visível

O 1ᵒ turno na França, suas possibilidades, e a ameaça visível

*Por Milton Temer

Excelentes os 11,7% de votos dados a Melenchon, candidato do Front de Gauche, nas presidenciais da França. Quem acompanhou os discursos nos comícios multitudinários, concorda ter sido um porcentual elevado, visto ter sido conquistado numa campanha sem concessões ideológicas ou de princípios. Saiu dos 2% iniciais, falando em “luta de classes” e em “Revolução Cidadã” contra o grande capital; defendendo imigrantes e combatendo a xenofobia crescente no País. Não é pouca coisa num contexto em que a sufocante mídia conservadora – num cantochão semelhante em todas as partes do mundo – aposta tudo na desqualificação da política, de molde a impor o “livre mercado” e o “Estado mínimo”, sem regras nem freios, como a única forma válida – a pensée unique - de preservar a “liberdade individual”, ou a restauração da “ordem natural”,. Uma ordem onde o mais forte tem a lei ao lado para trucidar o mais fraco, tão a gosto dos predadores sociais.

Aterrorizantes, no entanto, os 18% destinados à nazi-fascista Marine LePen. Quem acompanhou seus discursos em comícios de campanha não pode deixar de constatar a semelhança metodológica com o histrionismo do precursor do modelo, um certo Adolfo Hitler, num quadro de crise européia proporcionalment semelhante ao atual, por volta dos anos 30 do século passado. Era o combate simultâneo ao “sistema” – sem que isso seja definido ao qualificar os agentes – causador do desemprego e da insegurança dos franceses. Toda aquela demagogia patrioteira que, na praça, denuncia os poderosos, para com eles se acertar nos corredores inacessíveis ao controle público, nos acertos que resultam em um regime autoritário pró-grande capital, com esmolas distribuidas aos que hoje, sem nada, aplaudirão agradecidos.

Seu sucesso tem a ver com algo, lamentavelmente, alimentado até por uma parte dos ditos segmentos progressistas da sociedade, quando deixam de separar o joio do trigo na vida partidária, e entram no cantochão puramente movimentista, focado em louvar o apartidarismo – “são todos iguais”-. Movimentismo limitado que concorre indiretamente ao fortalecimento dos objetivos daqueles que pretendem combater: os predadores privados da res publica.

Diante dos resultados do primeiro turno, o que se prevê para 6 de maio, quando Hollande e Sarkozy (o candidato de Merkel, a chanceler do III Reich) se confrontam em turno decisivo? O mais razoável é considerar uma vitória do medíocre socialdemocrata Hollande, cujo início de campanha pouco se diferenciava, em termos programáticos, daquilo que era dito por Merkozy (é assim que o tratam atualmente na Europa). Ele terá o apoio fechado de todas as correntes de esquerda (salvo os insignificantes sectários idiotas de sempre), enquanto entre os eleitores de LePen, apenas 60% se revelam pró-Sarkozy, segundo as pesquisas iniciais.

Mas será uma vitória muito mais consequente da mobilização da esquerda contra o governo atual, do que esperança concreta em alguma forma de mudança fundamental nas concepções reacionárias de reação à crise financeira impostas pelo governo alemão ao resto do continente. Por conta, no entanto, do crescimento acentuado dessa esquerda revolucionária durante a campanha, será bem menos pior do que se isto não tivesse ocorrido. Dentro de seu próprio partido, Madelaine Aubry, secretária-geral, lider de tendência bem mais combativa do PS, encontra na votação de Melenchon um argumento fundamental para impor algumas ousadias que pretendia implementar caso tivesse vencido as primárias contra Hollande. Está bem à sua esquerda, e obrigará Hollande a avanços que o picolé de xuxu socialdemocrata não assumiria caso não dependesse tanto do Front de Gauche.

Nada está decidido, porém. E mesmo com a vitória de Hollande, a crer na manutenção da austeridade e do terror contra conquistas sociais que a fórmula Merkel já conseguiu impor na Grécia, na Espanha e em Portugal, seria uma leviandade baixar as armas de defesa diante da ameaça LePen, cujas idéias básicas passam a ser abertamente defendidas por Sarkozy, como possibilidade única de alcançar os votos que precisa.

Ou seja; a França, sempre exemplar na história da luta de classes, vai ser um cenário fundamental na definição dos rumos do que poderá vir a ocorrer na Europa. E que os “verdes”, especialistas em acertos de sustentabilidade dentro dos limites do capitalismo, e os movimentistas reduzidos à “indignação” de manifestações esporádicas, se dêem conta. O embate contra o nazi-fascismo ascendente na Europa não pode ser fragmentado, corporativista, e limitado a pequenas conquistas em políticas ambientais ou de gênero. O combate é universalizado. Contra o capital, na sua essência, portanto organizado em torno dos partidos políicos da esquerda revolucionária.

* Milton Temer é jornalista, ex-deputado federal, dirigente do PSOL.  

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