O 1ᵒ turno na França, suas possibilidades, e a ameaça visível
*Por Milton Temer
Excelentes os 11,7% de votos dados a Melenchon,
candidato do Front de Gauche, nas presidenciais da França. Quem acompanhou os
discursos nos comícios multitudinários, concorda ter sido um porcentual elevado,
visto ter sido conquistado numa campanha sem concessões ideológicas ou de
princípios. Saiu dos 2% iniciais, falando em “luta de classes” e em “Revolução
Cidadã” contra o grande capital; defendendo imigrantes e combatendo a xenofobia
crescente no País. Não é pouca coisa num contexto em que a sufocante mídia
conservadora – num cantochão semelhante em todas as partes do mundo – aposta
tudo na desqualificação da política, de molde a impor o “livre mercado” e o
“Estado mínimo”, sem regras nem freios, como a única forma válida – a pensée
unique - de preservar a “liberdade individual”, ou a restauração da “ordem
natural”,. Uma ordem onde o mais forte tem a lei ao lado para trucidar o mais
fraco, tão a gosto dos predadores sociais.
Aterrorizantes, no entanto, os 18% destinados à
nazi-fascista Marine LePen. Quem acompanhou seus discursos em comícios de
campanha não pode deixar de constatar a semelhança metodológica com o
histrionismo do precursor do modelo, um certo Adolfo Hitler, num quadro de crise
européia proporcionalment semelhante ao atual, por volta dos anos 30 do século
passado. Era o combate simultâneo ao “sistema” – sem que isso seja definido ao
qualificar os agentes – causador do desemprego e da insegurança dos franceses.
Toda aquela demagogia patrioteira que, na praça, denuncia os poderosos, para com
eles se acertar nos corredores inacessíveis ao controle público, nos acertos que
resultam em um regime autoritário pró-grande capital, com esmolas distribuidas
aos que hoje, sem nada, aplaudirão agradecidos.
Seu sucesso tem a ver com algo, lamentavelmente,
alimentado até por uma parte dos ditos segmentos progressistas da sociedade,
quando deixam de separar o joio do trigo na vida partidária, e entram no
cantochão puramente movimentista, focado em louvar o apartidarismo – “são todos
iguais”-. Movimentismo limitado que concorre indiretamente ao fortalecimento dos
objetivos daqueles que pretendem combater: os predadores privados da res
publica.
Diante dos resultados do primeiro turno, o que se
prevê para 6 de maio, quando Hollande e Sarkozy (o candidato de Merkel, a
chanceler do III Reich) se confrontam em turno decisivo? O mais razoável é
considerar uma vitória do medíocre socialdemocrata Hollande, cujo início de
campanha pouco se diferenciava, em termos programáticos, daquilo que era dito
por Merkozy (é assim que o tratam atualmente na Europa). Ele terá o apoio
fechado de todas as correntes de esquerda (salvo os insignificantes sectários
idiotas de sempre), enquanto entre os eleitores de LePen, apenas 60% se revelam
pró-Sarkozy, segundo as pesquisas iniciais.
Mas será uma vitória muito mais consequente da
mobilização da esquerda contra o governo atual, do que esperança concreta em
alguma forma de mudança fundamental nas concepções reacionárias de reação à
crise financeira impostas pelo governo alemão ao resto do continente. Por conta,
no entanto, do crescimento acentuado dessa esquerda revolucionária durante a
campanha, será bem menos pior do que se isto não tivesse ocorrido. Dentro de seu
próprio partido, Madelaine Aubry, secretária-geral, lider de tendência bem mais
combativa do PS, encontra na votação de Melenchon um argumento fundamental para
impor algumas ousadias que pretendia implementar caso tivesse vencido as
primárias contra Hollande. Está bem à sua esquerda, e obrigará Hollande a
avanços que o picolé de xuxu socialdemocrata não assumiria caso não dependesse
tanto do Front de Gauche.
Nada está decidido, porém. E mesmo com a vitória
de Hollande, a crer na manutenção da austeridade e do terror contra conquistas
sociais que a fórmula Merkel já conseguiu impor na Grécia, na Espanha e em
Portugal, seria uma leviandade baixar as armas de defesa diante da ameaça LePen,
cujas idéias básicas passam a ser abertamente defendidas por Sarkozy, como
possibilidade única de alcançar os votos que precisa.
Ou seja; a França, sempre exemplar na história da
luta de classes, vai ser um cenário fundamental na definição dos rumos do que
poderá vir a ocorrer na Europa. E que os “verdes”, especialistas em acertos de
sustentabilidade dentro dos limites do capitalismo, e os movimentistas reduzidos
à “indignação” de manifestações esporádicas, se dêem conta. O embate contra o
nazi-fascismo ascendente na Europa não pode ser fragmentado, corporativista, e
limitado a pequenas conquistas em políticas ambientais ou de gênero. O combate é
universalizado. Contra o capital, na sua essência, portanto organizado em torno
dos partidos políicos da esquerda revolucionária.
* Milton Temer é jornalista, ex-deputado federal, dirigente do PSOL.
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